quinta-feira, 25 de abril de 2013

Sobre tapetes e janelas.


A vida nada mais é do que um grande salão, cheio de tapetes. Das mais variadas cores, formas e tamanhos. Debaixo de cada um destes tapetes, acumulamos sujeiras. E nossa única função aqui é varrer a sujeira debaixo de um tapete para outro, imprimindo movimento a todos os incômodos. 

Porém, é preciso deixar janelas abertas neste salão. Com a corrente de ar, cada vez que passamos a vassoura na sujeira, a poeira sobe e vai embora. Claro, há o embaraço de entrarem novas sujeiras, novas folhas caídas do outono. Mas, de qualquer forma, é um embaraço novo. Uma novidade para se lidar.

O que não é possível é o medo de se mexer nos tapetes. Deixar a sujeira encrostar no assoalho, até o ponto em que você estará escondido no canto da sala, trocando a chance de se aquecer na lã quentinha por simplesmente ficar no frio paralisante.  

O tapete foi feito pra voar.

A vida, pra viver. 

quarta-feira, 17 de abril de 2013

uma prova.


entre uma baforada deste cigarro molhado e artigos de lei, engasgo gargalhadas.

entre músicas sem sentido e o silêncio que agoniza, acabo escolhendo um poema seco.

entre bocas anônimas e o cobertor indigesto, cuspo bolas de pelo.

Pelo menos isto indica que estou vivo e que algum dos desejos o gênio da lâmpada atendeu.

entre as fotos da novidade, só vejo o que já está apodrecendo de tão velho. e, não, não consigo desviar o olhar dessa boca ressecada, o olho inchado, as bochechas assimétricas. desculpem-me, mas "otimismo" não está incluso na minha longa lista de defeitos.

mas tudo isso é para mascarar o desespero. busco aplacar o medo com a beleza, mas sou incapaz de ignorar a desgraça. ela, de certa forma, está impregnada na pele.

hoje derramei três gotas de pânico no meu colarinho mal passado.

mas tudo bem, amanhã eu troco de camisa.

quinta-feira, 11 de abril de 2013

Marcas

Marquei que a vida seria um jogo.
Marquei o meu sexo.
Marquei o que importa.
Marquei o signo que dizem me reger.
Marquei a justiça de pernas bambas.
Marquei a transação não terminada.
Marquei toda a minha tolice.
Marquei toda a minha entrega.
Marquei a valsa que me desgraça.
Marquei o aleatório dos dias.
Marquei meu coração estrangulado.
Marquei o nosso brilho.
Marquei a inocência.
Marquei a maturidade.

E agora marco que preciso de mais sonhos.
E de menos vida.


domingo, 7 de abril de 2013

o fermento azedou, a lona caiu.


Hoje, uma amiga me chamou no chat do Facebook para falar que a prima dela fez uma postagem colocando os evangélicos como "vítimas da ditadura gay". Entre algumas outras baboseiras, ela mencionou que "a realidade dos fatos é que a intolerância não é dos evangélicos, mas dos ativistas que querem empurrar goela abaixo da sociedade suas práticas em flagrante oposição aos preceitos de Deus, exarados em sua Palavra (Romanos 1.24-28; 1Coríntios 6.9-11; 1Timóteo 1.10)."

Tenho que discordar.

A realidade é que as pessoas na sala de jantar são ocupadas em nascer e morrer.

Existem duas meias-verdades na argumentação dos evangélicos: a primeira, é que de fato eles estão seguindo a Bíblia. Se determinado grupo se une sob a orientação de alguém que possui o dom da liderança e acreditam em algo sobrenatural, este direito lhes é dado. E se eles creem em um livro no qual supostamente está a palavra de Deus, muito bem. Não vou entrar aqui no mérito de "qual seria a melhor interpretação da Bíblia". Conheço a existência de grupos de estudiosos que pegaram a primeira versão da Bíblia, a traduziram de forma mais ou menos correta e aí temos uma escola teológica que prega exatamente o contrário do que a "interpretação dominante da Bíblia" prega. Não, não vou entrar neste mérito porque não é o caso (mas fica a indicação do documentário For The Bible Tells Me So, legendado, aqui). O buraco que pretendo tocar é muito mais embaixo.

A segunda meia-verdade é que: os evangélicos são alvo de preconceito. Negar isso é ser cretino. Igrejas mais fundamentalistas sempre foram alvo de crítica dos católicos. Ora, é um absurdo uma mulher não se depilar e ser proibida de usar calça jeans. Sempre foram alvo de crítica dos próprios evangélicos menos, digamos, radicais. E, da parcela da sociedade que não professa fé alguma, então, nem se diga.

Os religiosos, de uma forma geral, são alvo de preconceito dos ateus. Existem páginas (e eu sigo várias delas) no Facebook fazendo piadas indecorosas com tudo o que possa tocar a fé alheia.

Então, no que toca à causa gay, o cenário é: temos um grupo de um lado defendendo a fé que professa. E, de outro, um grupo que busca inclusão social, uma vez que não é contemplado por uma série de direitos básicos, como casamento, adoção, etc.

Poderia ser só isso. Mas, claro, não é.

E não estou aqui falando da presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias ter sido dada de bandeja para o PSC e, por conseguinte, ter caído no colo oportunista do Marco Feliciano. Isso é assunto batido e o que dá ibope na internet hoje é o preço do tomate.

Aliás: o problema em si não reside na guerra ideológica travada entre os "defensores da família" e os homossexuais. Não. O problema reside exatamente nisso: o preço do tomate.

Porque está tudo interligado. Alguns especialistas já se pronunciaram sobre a razão de o tomate estar tão caro: onde há maior concentração de cultivo do tomate (a saber, Minas Gerais e São Paulo), o clima tem sido frio e chuvoso.  Este fato prejudica o amadurecimento do fruto, e daí basta aplicar a lei básica da Demanda x Oferta na fixação dos preços e está tudo esclarecido.

Está?

Não.

Por alguns motivos: o primeiro deles é que o quilo do tomate, custando R$ 9,50, é algo indecoroso para a realidade nacional, em que, apesar da falácia da "nova classe média", é impensável uma família que sobreviva com R$ 678,00 poder se dar ao luxo de comprar o tomate a tal preço. Então, lima-se um elemento "saudável" na dieta diária do brasileiro. Lembro aqui, claro, que não é só isso. Eu faço mercado. Eu pesquiso preços. Eu faço parte dessa tão aclamada nova classe média - o que me faz ter o direito de ingressar a fundo na sociedade de consumo, criar dívidas, me orgulhar de meus dez cartões de crédito e dos diversos empréstimos em duas ou três instituições bancárias. Mas, no duro, eu não tenho dinheiro para comprar tomate todas as semanas.

E o gay também não. E o evangélico também não.

O segundo motivo é que a mesma chuva que castiga o cultivo de tomate, está castigando vidas nas zonas urbanas. Não é preciso pedir muito que lembrem a tragédia nas três principais cidades da Região Serrana do estado do Rio de Janeiro: Petrópolis, Teresópolis e Nova Friburgo. Vou falar do que eu conheço: Teresópolis, uma cidade com 770km² de extensão territorial, com uma passagem de ônibus que custa R$ 2,90. Excetuada a zona rural e alguns outros bairros mais distantes, o Teresopolitano gasta, em um trajeto de talvez vinte minutos, a quantia diária de, pelo menos, R$ 5,80, pagando R$ 9,50 pelo quilo do tomate.

E o Brasil tem o salário mínimo de... R$ 678,00.

Neste mesmo Brasil, gays e evangélicos ocupam postos exatamente iguais aos de quaisquer outros grupos dentro da sociedade: uma alta concentração de renda na mão de pouquíssimas pessoas, e, o restante, pulverizado entre as classes B, C, D e E. O que significa que tem muito gay por aí que não pode comprar tomates. Como tem evangélicos que não o podem fazer também. De outro lado, Marco Feliciano está certamente inserido na Classe A. E Jean Wyllys também.

Mas existe uma diferença um tanto ÓBVIA entre os dois. A frente do Jean Wyllys é a educação. Em diversas entrevistas, ele coloca a educação de base como uma finalidade urgente a ser buscada pelo Brasil. E o Marco Feliciano, bem, quer criar o dia do Papai do Céu na Escola.

Só que o Dia do Papai do Céu na escola, com o perdão daqueles que professam a fé cristã, é a utilização hedionda dos estabelecimentos de ensino para manter o status patético em que se encontra a sociedade. Como fariam isto? Reduziriam a carga horária de disciplinas importantes para o currículo escolar e, acima disso, para a formação de um pensamento crítico, para falar de... Deus?

Não... nada contra. Vamos falar sim, de Deus. De Deus, de Buda, de Jeová e de Maria Mulambo. Mas vamos falar sobre História, sobre Geografia, sobre Matemática e sobre Língua Portuguesa (por favor, falemos urgentemente sobre Língua Portuguesa). E vamos falar sobre Não-Deus, também.

Vamos dar escolha às pessoas.

E, para dar escolha, precisamos dar a capacidade de as pessoas pensarem.

Porque, do contrário, as pessoas não vão para as ruas brigar por seus direitos - já que vivem sob o manto da descrença na questão pública. Ou porque as pessoas não vão para as ruas brigar por seus direitos - já que Deus por elas tudo proverá.

Acontece que nem Deus, nem o afastamento político vão reduzir o preço do tomate;  nem Deus, nem o afastamento político vão dizimar a fome do mundo; nem Deus, nem o afastamento político vão trazer saúde, segurança e transporte público com qualidade básica; nem Deus, nem o afastamento político vão acabar com a guerra ideológica dos gays versus os evangélicos.

Deus, assim como o afastamento político só vão azedar o fermento do pão nosso de cada dia e fazer com que a lona deste circo caia sobre nossas cabeças. E, entre mortos e feridos, lá no Olimpo que hoje apelidamos de Congresso Nacional, uma bandeja de croissants estará saindo, quentinha, do forno.


segunda-feira, 1 de abril de 2013

vinte salvador.


das mãos do homem febril
para o estômago do engraxate servil
numa páscoa sem cifras nos olhos da criança,
fica a indagação:
o que vale mais
o cristo ressuscitado em sua ilusória cruz
ou o cisto sangrento daqueles sem luz?

do andar lento daquele que arde
aos pulos de alegria do que vaga tarde
num feriado sem descanso para a fome
fica a certeza
nada vale menos
que a crença barata que expia as nossas culpas
ou que a fé vã que prenuncia nossas lutas.