.I.
Quem seu perfume pensa que é
Para invadir minhas narinas sem permissão?
E quem autorizou seus óculos
A refletirem meu olhar no ocre desavisado?
E por que meus fones de ouvido
Me impedem de ouvir sua voz?
Quem é sua roupa para determinar
A distância de dois calores?
Por que seus sapatos insistem em estar presos
A pés que querem pular em camas limpas?
Por que sua mão repousa em seu colo,
Quando deveria acariciar meu peito?
E quão ousado é seu cabelo,
Por voar no ritmo de um ar não soprado por mim?
E quão sinistro é este tremor,
Que nos leva, tão distantes, ao mesmo destino?
Antes sua pulseira dourada fosse uma algema a nos ater
Antes seu relógio preto fosse uma forma de o tempo deter.
Em que ponto final pararemos,
Quando sequer iniciamos uma sentença com letras maiúsculas?
Em que catraca nos esqueceremos,
Vivendo mortos nestas realidades esdrúxulas?
.II.
Nada a te oferecer além de um bom dia entrecortado por alguma buzina mais histérica que minha instantânea falta de ar. Talvez, e apenas talvez, eu devesse parar de fumar, para, assim, ter algum fôlego caso esse encontro desavisado ocorra novamente, sob a mesma benção da avenida improvável. Numa alvorada qualquer, sorte a minha caso possa reconhecer o prata que guarnece seu olhar. Num crepúsculo perdido, eventualmente eu possa descobrir seu nome e, em um ato de honesta gratidão, te retribuir com o meu.
Perdi a conta das estrelas que brilham em sua pele em forma de sinais de nascença, e rasguei meus diplomas para reaprender a gramática do seu corpo. No léxico dos corpos, faço-me sinonímia do teu sexo e brindo a semântica romântica do zero absoluto. Na interseção que nossos conjuntos possam sugerir, passo a colorir drasticamente o que temos em comum, e, fugindo de linhas cartesianas, rascunho gráficos absurdos que nos diagnostiquem e cataloguem.
Ao final do dia, chego em casa, jogo a mochila sobre a cama, deposito mais este livro na estante e, num próximo ano, sequer lembro o que estudei em você.
.III.
Ouvi dizer que o que nos separou foi o infortúnio. Que talvez, na pressa, eu tenha entrado no trem com destino ao inferno, para o qual você não tinha uma passagem. Mas, como você gostaria de me acompanhar até a esquina mais próxima de meu destino, você entrou na fila para comprar o seu. E eu, claro, corri.
Dizem também que um mensageiro lhe entregou uma carta sem remetente. O envelope, provavelmente selado com um beijo que não o meu, te indicava outro itinerário. Talvez meu horário que fosse ruim, nossos fusos desencontrados, e, assim,Não aconteceu.
De toda forma, viajei em pé e guardei, esperança e assento, para o caso de reconhecer teu semblante em uma próxima estação.
.IV.
Neste mal do quase um terço de século, uma epifania: melhor prestar atenção no vão entre o trem e a plataforma, que me arriscar a mergulhar no abismo entre nós dois. Pois, qual a garantia que tenho que seus braços se estenderiam para me salvar? Que companhia eu teria no fundo do poço, além da velha tosse seca e o resto de um maço de cigarros?
Ah, é mais saudável então ver bem onde piso. E cuidado redobrado, já que não o fiz quando meu ombro doente esbarrou no seu viril. Você deslocou um osso, dois estômagos e quatro corações. Frágil como fiquei, fui imobilizado por um gesso imaginário que só você assinou. Fui reanimado, mas, logo em seguida, eu jazia em sua cama. E nunca mais voltei.
sábado, 19 de setembro de 2015
domingo, 6 de setembro de 2015
Destinatário: eu.
Olá.
Desculpe-me por não começar o endereçamento correto. Por mais que eu seja daquele tipo que sempre segue as regras, acho um pouco redundante colocar meu nome num vocativo direcionado a mim mesmo. Fora que, como tem muito tempo que não escrevo para mim mesmo, assumo que estou um pouco afobado. Acho que estes esclarecimentos (me) são importantes, caso eu resolva revisitar essa carta daqui a três anos e me odiar por não ter seguido todas aquelas regras aprendidas na escola. Isso, claro, se eu enviá-la para mim. Eu sei, eu tenho essa mania estranha de terminar de escrever a carta e ficar com preguiça de levá-la ao correio para selá-la. Fora que parece que não posso mais pagar um centavo para enviar a carta. E, eu sei, eu nunca ando com moedas. Pesam a bolsa, não é mesmo? Tenho certeza que eu concordo com isso. Deveriam abolir as moedas, assim como deveriam abolir os selos. Menos para os colecionadores, eles podem ficar em paz com suas figurinhas adultas. Eu só acho que seria mais efetivo para a comunicação mundial se não houvesse essa barreira burocrática entre os que ainda se escrevem.
Veja eu o quanto eu estou nervoso. Comecei, logo no primeiro parágrafo, a filosofar sobre colecionadores. Eles que morram, com toda essa mania de acumular coisas. Devem sofrer de retenção anal. Freud certamente explicaria isso. Mas, o que ele ainda não conseguiu explicar, e que é o motivo pelo qual eu me escrevo, é: como eu estou? Ouvi dizer que eu mudei de casa, é verdade? Mas eu não estava tão adaptado àquela vidinha arborizada, esportes, samba toda santa segunda-feira e ressacas intermináveis no dia seguinte? Eu sei, eu vou falar que, se tem tanto tempo que eu não me escrevo, como eu sei disso? Mas é que, eu sei, eu entro quase diariamente no Facebook, então sei exatamente o que eu ando fazendo da vida. Porque eu tenho essa péssima mania de publicar tudo o que eu estou fazendo, né? "Olha a minha comida quase fitness de hoje". Aliás, que mania chata é essa de achar que eu estou sempre gordo? Eu não tinha emagrecido não sei quantos quilos e estava postando foto sem camisa? Será que eu engordei tanto pra continuar nessa paranoia? Me escreva, eu adoraria saber qual o carboidrato que eu deveria cortar essa semana e qual o óleo-queima-gordura da moda.
E o meu trabalho, como anda? Eu me lembro que eu não costumava reclamar dele, mas que deixava bem claro que o capital cultural das pessoas era um tanto baixo... Logo eu, que sou fã incondicional de Britney Spears, falando dos meus colegas do trabalho. Mas, tudo bem, eu sou assim mesmo, incongruente, e eu sei que debaixo dessa capa poperô colorida ai que saudade dos anos 90, eu tenho uns dois ou três discos incríveis que deixariam qualquer crítico de música orgulhoso. E o meu livro? Lembro-me que eu estava querendo escrever um livro. Consegui terminar? Estou curiosíssimo para saber quando que eu finalmente vou parar com essa mania de protelar aquilo para o qual eu verdadeiramente tenho talento.
E o meu namorado? Já virou meu marido? Digo, oficialmente. Eu me lembro que eu insistia tanto pra casar, mas, quando eu pude finalmente casar, eu acabei entrando num vórtice misto entre posicionamento político e empurrar com a barriga, tá bom assim, pra que mexer? Não se esqueça que eu adoro bem-casado e quero muito ser convidado para o meu casamento. Certamente eu daria uma festa de arromba. Sei que as coisas ficaram um pouco estremecidas entre nós, aquela vez em que eu me bati contra a parede porque estava muito irritado. E sei que eu disse que não me encararia mais depois daquele incidente, mas acho que já é hora de eu superar isso, não? Não gosto de ficar tão distante de mim, por mais que eu saiba que a vida, bem, a vida é assim. Vive distanciando pessoas que se gostam, pelos mais variados motivos. Mas nunca pensei que eu romperia comigo dessa forma. Que tal eu marcar um café comigo para discutir isso? Uma cerveja? Uma tarde fumando maconha e descobrindo novas bandas? Eu me lembro que eu gostava tanto disso, mas tem muito tempo que eu não me convido para uma tarde dessa. Acho que eu deveria. Me diga o que eu penso.
Bom, vou me despedir por aqui. Minha mão já está doendo (eu sei que eu odeio manuscrever, acho coisa de gente do século passado). Mas, por favor, eu adoraria saber de mim. Na carta segue o meu novo endereço. Parece longe, mas as cartas são entregues direitinho no condomínio, então é 100% seguro que minhas cartas chegarão na minha residência. Eu vou me enviar esta agora mesmo, antes que ela se perca dentro de alguma dessas gavetas cheias de cartas não enviadas.
Com amor,
Eu.
Desculpe-me por não começar o endereçamento correto. Por mais que eu seja daquele tipo que sempre segue as regras, acho um pouco redundante colocar meu nome num vocativo direcionado a mim mesmo. Fora que, como tem muito tempo que não escrevo para mim mesmo, assumo que estou um pouco afobado. Acho que estes esclarecimentos (me) são importantes, caso eu resolva revisitar essa carta daqui a três anos e me odiar por não ter seguido todas aquelas regras aprendidas na escola. Isso, claro, se eu enviá-la para mim. Eu sei, eu tenho essa mania estranha de terminar de escrever a carta e ficar com preguiça de levá-la ao correio para selá-la. Fora que parece que não posso mais pagar um centavo para enviar a carta. E, eu sei, eu nunca ando com moedas. Pesam a bolsa, não é mesmo? Tenho certeza que eu concordo com isso. Deveriam abolir as moedas, assim como deveriam abolir os selos. Menos para os colecionadores, eles podem ficar em paz com suas figurinhas adultas. Eu só acho que seria mais efetivo para a comunicação mundial se não houvesse essa barreira burocrática entre os que ainda se escrevem.
Veja eu o quanto eu estou nervoso. Comecei, logo no primeiro parágrafo, a filosofar sobre colecionadores. Eles que morram, com toda essa mania de acumular coisas. Devem sofrer de retenção anal. Freud certamente explicaria isso. Mas, o que ele ainda não conseguiu explicar, e que é o motivo pelo qual eu me escrevo, é: como eu estou? Ouvi dizer que eu mudei de casa, é verdade? Mas eu não estava tão adaptado àquela vidinha arborizada, esportes, samba toda santa segunda-feira e ressacas intermináveis no dia seguinte? Eu sei, eu vou falar que, se tem tanto tempo que eu não me escrevo, como eu sei disso? Mas é que, eu sei, eu entro quase diariamente no Facebook, então sei exatamente o que eu ando fazendo da vida. Porque eu tenho essa péssima mania de publicar tudo o que eu estou fazendo, né? "Olha a minha comida quase fitness de hoje". Aliás, que mania chata é essa de achar que eu estou sempre gordo? Eu não tinha emagrecido não sei quantos quilos e estava postando foto sem camisa? Será que eu engordei tanto pra continuar nessa paranoia? Me escreva, eu adoraria saber qual o carboidrato que eu deveria cortar essa semana e qual o óleo-queima-gordura da moda.
E o meu trabalho, como anda? Eu me lembro que eu não costumava reclamar dele, mas que deixava bem claro que o capital cultural das pessoas era um tanto baixo... Logo eu, que sou fã incondicional de Britney Spears, falando dos meus colegas do trabalho. Mas, tudo bem, eu sou assim mesmo, incongruente, e eu sei que debaixo dessa capa poperô colorida ai que saudade dos anos 90, eu tenho uns dois ou três discos incríveis que deixariam qualquer crítico de música orgulhoso. E o meu livro? Lembro-me que eu estava querendo escrever um livro. Consegui terminar? Estou curiosíssimo para saber quando que eu finalmente vou parar com essa mania de protelar aquilo para o qual eu verdadeiramente tenho talento.
E o meu namorado? Já virou meu marido? Digo, oficialmente. Eu me lembro que eu insistia tanto pra casar, mas, quando eu pude finalmente casar, eu acabei entrando num vórtice misto entre posicionamento político e empurrar com a barriga, tá bom assim, pra que mexer? Não se esqueça que eu adoro bem-casado e quero muito ser convidado para o meu casamento. Certamente eu daria uma festa de arromba. Sei que as coisas ficaram um pouco estremecidas entre nós, aquela vez em que eu me bati contra a parede porque estava muito irritado. E sei que eu disse que não me encararia mais depois daquele incidente, mas acho que já é hora de eu superar isso, não? Não gosto de ficar tão distante de mim, por mais que eu saiba que a vida, bem, a vida é assim. Vive distanciando pessoas que se gostam, pelos mais variados motivos. Mas nunca pensei que eu romperia comigo dessa forma. Que tal eu marcar um café comigo para discutir isso? Uma cerveja? Uma tarde fumando maconha e descobrindo novas bandas? Eu me lembro que eu gostava tanto disso, mas tem muito tempo que eu não me convido para uma tarde dessa. Acho que eu deveria. Me diga o que eu penso.
Bom, vou me despedir por aqui. Minha mão já está doendo (eu sei que eu odeio manuscrever, acho coisa de gente do século passado). Mas, por favor, eu adoraria saber de mim. Na carta segue o meu novo endereço. Parece longe, mas as cartas são entregues direitinho no condomínio, então é 100% seguro que minhas cartas chegarão na minha residência. Eu vou me enviar esta agora mesmo, antes que ela se perca dentro de alguma dessas gavetas cheias de cartas não enviadas.
Com amor,
Eu.
sábado, 30 de maio de 2015
guitarras.
Nunca fui dado a guitarras. Acho que, desde muito cedo, eu sabia que minha vida seria doada às maracas ou aos sintetizadores. Que é onde eu me deito confortavelmente ou sinto que a vida pode ser mais plástica, mais fake, mais elétrica, ou qualquer outro adjetivo que eu quiser dar. Mais quente. No final das contas, a vida acaba sendo colorida. Desde o florido de uma rua despretensiosa, camisa aberta, barba por fazer, um te quiero perdido entre dois ou três goles de tequila. Ou um digital love marcado com impressões digitais sobre uma pele tão real que o já-já não suporta. Na trilha sonora, vivo suspenso. Transito entre mundos irreais que não vivo - ou por localização geográfica, trabalhado com um material cartográfico não-político patético que restringe, separa, limita, divide; ou por não ser feito de transistores, lâmpadas, corações magnéticos e circuitos. Sou, tão logo, ribeirinho e pangeia. "Pra ficar titânico, nenhuma pátria me pariu", li dias destes revisitando (e re-vestindo) o ontem. Se o espaço é uma mentira, o que dizer do tempo? Se o espaço é feito de rusgas, o tempo não passa de rugas. E ambos parecem afetar minha face, meu corpo, minha pele, meu espaço, nada siderado, sempre vazio. Sou buraco negro, á do início da web 2.0. Quer entrar, tem que ter convite. Racionalizar o espaço é algo que fizemos desde que o físico existe. Então, vamos mapear, situar, colocar um chip GPS em cada existência e limitar. Você está a 2 km do desespero, diz o aplicativo de relacionamentos. Você pode pedir uma pizza que está a 10 minutos do destino final. Sinto saudades do tempo em que "destino final" era, na ficção, o desconhecido. E, na realidade, a morte. Pra que tanto controle?
domingo, 24 de maio de 2015
30.
I cried enough tears
To see my own reflection in them
Desde que entrei no Facebook, em 2010, sempre deixei minha página fechada para postagens. Acho que, por ser um espaço meu, logo eu, que preciso de um palco, nunca deixei que outras pessoas falassem por mim. Eu levo a rede social a sério: sempre depositei meus pensamentos. Sempre achei que, se alguém postasse em minha linha do tempo, este alguém estaria falando por mim. E eu nunca transei essa ideia.
Cinco anos se passaram. Cinco anos de Facebook, cinco anos de Rio de Janeiro, cinco anos de tentativas e erros, cinco anos de leitura, de aprendizado, de auto-conhecimento, de esbórnias, de ressacas, de marés altas, de noites sem dormir, de manhãs dormidas demais, de desbravamentos de zonas desconhecidas (norte a sul, oeste a no leste é o mar). E aquele Alan de ontem, que não deixava ninguém postar em sua timeline, permanece. Dono do palco? Talvez.
Mas, uma vez por ano, eu abro a página. Meu aniversário. Sempre permito que as pessoas depositem ali seus desejos para o novo ano que se instaura pra mim. Leio, sempre, um por um. Às vezes curto, às vezes o tempo é curto demais para curtir cada postagem. Mas meu coração fica cheio de alegria quando vejo todas estas participações (mais que) especiais adentrando em meu palco para uma dança conjunta, braços dados, afetos espalhafatosos e bites e mais bites de TAMOJUNTO.
E, normalmente, respondo no dia seguinte. Mas este ano não.
Acho que precisei digerir. Tive medo dos 30, devo assumir. Mudar de década, dentro de minha cabeça que leva tudo muito a sério mas ainda se porta como um jovem que receia tudo, tive que entender e aceitar que estava entrando em uma nova era, ainda que discursiva. Tive que lidar com o fato que estou distante demais daquilo que eu esperava de mim há quinze anos atrás. Mas tive também que aceitar que o tempo me transformou em algo que eu nunca pensei que pudesse ser.
E todos as felicitações me deixaram claro isso. Ano passado eu tive a breve certeza de que eu sabia o caminho que eu tinha que seguir. Este ano, com uma série de mudanças que me vi obrigado a enfrentar, pensei em deixar essa certeza para lá e aceitar que o mundo, como ele está estruturado, ditasse meu caminho. Mas não. Chegando aos trinta - e uma amiga muito querida me falou: "ah, mas fazer trinta é ótimo: é quando você descobre o que quer", eu reassumo o meu compromisso com a minha existência e desejo, ao apagar as velas, romper com tudo aquilo que eu não acredito. Sei do preço disso. Sei que estar no raso é muito mais confortável, mas estar no raso hoje não me foi suficiente. Eu quero o que transcende.
Isso vai gerar antipatia. Isso vai demandar muito mais leitura, muito mais sensibilidade, muito mais empatia e muito mais ciência de que o outro é uma diferença em si que precisa ser respeitada. Vou precisar de calma, de tempo (até os quarenta dá, né?), de uma certeza, ainda que interna, de que tudo vai dar certo. Por mais que comentários no jornal O Globo me digam o contrário, eu preciso acreditar que o meu norte (e o de tantxs outrxs) é o melhor, sem esmorecer, sem permitir que o pânico se instale a cada grito que contradiga a minha fé.
E hoje eu tenho certeza que eu tenho todas as armas que preciso para isso.
To see my own reflection in them
Desde que entrei no Facebook, em 2010, sempre deixei minha página fechada para postagens. Acho que, por ser um espaço meu, logo eu, que preciso de um palco, nunca deixei que outras pessoas falassem por mim. Eu levo a rede social a sério: sempre depositei meus pensamentos. Sempre achei que, se alguém postasse em minha linha do tempo, este alguém estaria falando por mim. E eu nunca transei essa ideia.
Cinco anos se passaram. Cinco anos de Facebook, cinco anos de Rio de Janeiro, cinco anos de tentativas e erros, cinco anos de leitura, de aprendizado, de auto-conhecimento, de esbórnias, de ressacas, de marés altas, de noites sem dormir, de manhãs dormidas demais, de desbravamentos de zonas desconhecidas (norte a sul, oeste a no leste é o mar). E aquele Alan de ontem, que não deixava ninguém postar em sua timeline, permanece. Dono do palco? Talvez.
Mas, uma vez por ano, eu abro a página. Meu aniversário. Sempre permito que as pessoas depositem ali seus desejos para o novo ano que se instaura pra mim. Leio, sempre, um por um. Às vezes curto, às vezes o tempo é curto demais para curtir cada postagem. Mas meu coração fica cheio de alegria quando vejo todas estas participações (mais que) especiais adentrando em meu palco para uma dança conjunta, braços dados, afetos espalhafatosos e bites e mais bites de TAMOJUNTO.
E, normalmente, respondo no dia seguinte. Mas este ano não.
Acho que precisei digerir. Tive medo dos 30, devo assumir. Mudar de década, dentro de minha cabeça que leva tudo muito a sério mas ainda se porta como um jovem que receia tudo, tive que entender e aceitar que estava entrando em uma nova era, ainda que discursiva. Tive que lidar com o fato que estou distante demais daquilo que eu esperava de mim há quinze anos atrás. Mas tive também que aceitar que o tempo me transformou em algo que eu nunca pensei que pudesse ser.
E todos as felicitações me deixaram claro isso. Ano passado eu tive a breve certeza de que eu sabia o caminho que eu tinha que seguir. Este ano, com uma série de mudanças que me vi obrigado a enfrentar, pensei em deixar essa certeza para lá e aceitar que o mundo, como ele está estruturado, ditasse meu caminho. Mas não. Chegando aos trinta - e uma amiga muito querida me falou: "ah, mas fazer trinta é ótimo: é quando você descobre o que quer", eu reassumo o meu compromisso com a minha existência e desejo, ao apagar as velas, romper com tudo aquilo que eu não acredito. Sei do preço disso. Sei que estar no raso é muito mais confortável, mas estar no raso hoje não me foi suficiente. Eu quero o que transcende.
Isso vai gerar antipatia. Isso vai demandar muito mais leitura, muito mais sensibilidade, muito mais empatia e muito mais ciência de que o outro é uma diferença em si que precisa ser respeitada. Vou precisar de calma, de tempo (até os quarenta dá, né?), de uma certeza, ainda que interna, de que tudo vai dar certo. Por mais que comentários no jornal O Globo me digam o contrário, eu preciso acreditar que o meu norte (e o de tantxs outrxs) é o melhor, sem esmorecer, sem permitir que o pânico se instale a cada grito que contradiga a minha fé.
E hoje eu tenho certeza que eu tenho todas as armas que preciso para isso.
sexta-feira, 22 de maio de 2015
Britney careca e ciclista esfaqueado: uma lâmina de dois gumes.
Eu estava tentando não me manifestar sobre o caso do ciclista assassinado na Lagoa. Muito talvez pelo amor que recebi ontem em meu aniversário, hoje acordei namastê pra caralho, abraçando árvores, falando com duendes e acreditando em fadas. Mas não dá. Primeiro porque me dou conta que 70% de todo o amor que foi despejado em cima de mim é JUSTAMENTE por eu escrever, por eu debater, por eu perder horas a fio falando sobre os mais variados assuntos. E, depois, porque vendo o que a galera escreve nas redes sociais, sem o menor comprometimento com uma construção REAL dos direitos humanos, chega uma hora que a panela de pressão explode.
Primeiro item: os direitos humanos não foram feitos para humanos direitos. Acabei de ler uma insinuação desta na página de uma advogada ligada à militância LGBT. Pelo menos, aquela militância institucional, que vê o LGBT sendo L e G, não compreende o B, e patologiza o T. Nada de novo, exceto a possibilidade de angariar um nicho mercadológico-jurídico novo, mais escrituras de Uniões Estáveis, e, com um pouco de sorte, mais dissoluções lá na frente. Porque divisão de patrimônio é que dá dinheiro, não é mesmo? O mesmo pink money de sempre, mas só com uma roupagem.
Os direitos humanos foram criados para os humanos tortos. Isso mesmo. Aqueles humanos que, por serem dissonantes de determinado padrão hegemônico, são escrachados, ridicularizados, marginalizados, escravizados, comercializados. È pra bicha escandalosa, pra sapatona desvairada, pra travesti que se prostitui, pro preto-pobre-favelado (se entrar pro crime, melhor ainda), pra mulher que apanha em casa, pra mulher que enfrenta o mercado de trabalho de maneira empoderada. Então não mete esse caô de "ah, eu, pobre classe média sofredora, que pago impostos que não são revertidos pra mim". Porque eles são. Não da melhor maneira, mas quando você compra um carro zero com isenção de IPI, bem, alguém está pagando, não é? Quando se vota um projeto de lei para anistiar planos de saúde, bem, esse dinheiro está saindo de algum lugar, não é? Mas certamente não é do bolso vazio daquele que anda de ônibus lotado todos os dias e que, quando fica doente, não tem o direito de sequer um leito para se deitar e tomar remédio. Eu quero que os humanos direitos se contorçam de ódio a cada vez que uma bandeira de RESISTÊNCIA, de RE-EXISTÊNCIA, é hasteada por aí.
Segundo item: No dia anterior ao meu aniversário, eu me reuni com alguns amigos e tomei umas muitas cervejas. E tive uma epifania torpe, quase escatológica: o assassinato do ciclista (e eu ME RECUSO a chamá-lo pelo nome próprio enquanto diariamente inúmeros brasileiros são enterrados como indigentes - vale lembrar as travestis que não têm seu nome social respeitado nem mesmo no pós-morte, e os milhares de pobres que jamais vão alcançar a primeira página de um jornal quando massacrados pelo Estado - e não estou falando de casos emblemáticos como Amarildo e Cláudia. Estou falando do DIARIAMENTE), dentro da minha cabeça, é o mesmo episódio de quando Britney Spears raspou a cabeça.
Me explico: dentro do imaginário social doentio-capitalista-pra-caralho, esteta até morrer dos Estados Unidos (estetas unidos?), é comum e motivo de orgulho para muitos pais inscrever suas filhas em concursos de mini-misses. O que mais tem na TV é reality shows mostrando essa mania torpe de destruir a infância das crianças em nome de um reconhecimento econômico posterior. Veja, e isso é uma CARREIRA. Britney iniciou logo cedo, trabalhou na Disney, lançou primeiro disco e, em 2007, pá, perdeu a linha, bebeu mais que devia, fumou um cigarrinho do capeta (provavelmente, né mores?) e raspou a cabeça.
Isso me soa como um desequilíbrio estrutural do próprio sistema - e é aqui que eu comparo os dois episódios. Vejam: se eu parto de um princípio em que o "natural" é uma criança-estrela crescer e ser a "miss american dream" (como Spears mesmo se auto-proclama em uma de suas músicas), quando ela faz qualquer coisa diferente do programado (programado MESMO), é porque algo deu muito errado. A pressão midiática, a retirada compulsória de uma infância, um casamento monitorado a todo tempo, enfim, fez com que ela perdesse completamente o juízo (ao menos aquele estabelecido por padrões psiquiátricos majoritários - até pq eu não vejo problema nenhum em usar drogas e raspar a cabeça, mas enfim).
No outro giro, o ciclista estava gozando de sua vida que foi programada para ele, morador da Zona Sul e habituée da Lagoa. Notem que isso não é um ataque pessoal: a própria esposa disse ser contra a redução da maioridade penal; eu não o conheço, não sei os pontos de vista dele sobre nada. É apenas a figura que ele representa, o recorte social que é protegido a todo tempo pelo Estado: a classe média (aquela verdadeira, aquela de várzea, aquela de raiz). Quando vem um jovem negro pobre marginalizado e, hoje, menor infrator, ele está se rebelando contra o status quo, ele está rasgando um script idealizado há tanto pelos detentores do poder. Ora, como podemos chamá-lo de criminoso se ele não passa de uma testemunha oprimida do Contrato Social? Não é aqui embaixo que as leis são diferentes: é lá em cima, onde esse garoto testemunhou mortes desde a infância, abandono familiar E governamental (como foi denunciado hoje pelo Jornal Extra). O menor é nosso anti-heroi - ele busca apenas o egoísmo da sobrevivência. Mas quem falou em egoísmo mesmo?
Conclusão: Acho que as pessoas perderam completamente a capacidade de interpretar um texto. O mundo - repito - é tomado de discursos de todas as ordens possíveis, mas apenas vendo de longe é possível apreender a bigger picture, que, para mim, compreende a interpretação adequada de todos os discursos. Não tem problema ir para um lado mais conservador: eu defendo seu direito de pensar equivocadamente. Mas o faça de maneira fundamentada, com bons argumentos, e não com intuito de preservar apenas o seu egoísmo (ah, sim, eu quem falei sobre egoísmo) que você brada, heroico, enquanto um suposto humano direito. Volte três casas no jogo da vida, compreenda, coloque-se no lugar do outro, perceba as diferenças em si que cada ser vivo possui e apenas depois disso você coloque seus dedos furiosos sobre um teclado de computador para vociferar um ódio que se presta apenas para fomentar mais o abismo social existente entre os vários recortes que existem por aí. E esse raciocínio, essa estratégia vale para QUALQUER opressão. Inclusive a que você deve experimentar diariamente, mas que, com o manto de cidadão de bem que o poder te emprestou momentaneamente para falar merda, você não consegue perceber.
Em suma: enquanto você não fizer isso... sua vida será um lixo.
Primeiro item: os direitos humanos não foram feitos para humanos direitos. Acabei de ler uma insinuação desta na página de uma advogada ligada à militância LGBT. Pelo menos, aquela militância institucional, que vê o LGBT sendo L e G, não compreende o B, e patologiza o T. Nada de novo, exceto a possibilidade de angariar um nicho mercadológico-jurídico novo, mais escrituras de Uniões Estáveis, e, com um pouco de sorte, mais dissoluções lá na frente. Porque divisão de patrimônio é que dá dinheiro, não é mesmo? O mesmo pink money de sempre, mas só com uma roupagem.
Os direitos humanos foram criados para os humanos tortos. Isso mesmo. Aqueles humanos que, por serem dissonantes de determinado padrão hegemônico, são escrachados, ridicularizados, marginalizados, escravizados, comercializados. È pra bicha escandalosa, pra sapatona desvairada, pra travesti que se prostitui, pro preto-pobre-favelado (se entrar pro crime, melhor ainda), pra mulher que apanha em casa, pra mulher que enfrenta o mercado de trabalho de maneira empoderada. Então não mete esse caô de "ah, eu, pobre classe média sofredora, que pago impostos que não são revertidos pra mim". Porque eles são. Não da melhor maneira, mas quando você compra um carro zero com isenção de IPI, bem, alguém está pagando, não é? Quando se vota um projeto de lei para anistiar planos de saúde, bem, esse dinheiro está saindo de algum lugar, não é? Mas certamente não é do bolso vazio daquele que anda de ônibus lotado todos os dias e que, quando fica doente, não tem o direito de sequer um leito para se deitar e tomar remédio. Eu quero que os humanos direitos se contorçam de ódio a cada vez que uma bandeira de RESISTÊNCIA, de RE-EXISTÊNCIA, é hasteada por aí.
Segundo item: No dia anterior ao meu aniversário, eu me reuni com alguns amigos e tomei umas muitas cervejas. E tive uma epifania torpe, quase escatológica: o assassinato do ciclista (e eu ME RECUSO a chamá-lo pelo nome próprio enquanto diariamente inúmeros brasileiros são enterrados como indigentes - vale lembrar as travestis que não têm seu nome social respeitado nem mesmo no pós-morte, e os milhares de pobres que jamais vão alcançar a primeira página de um jornal quando massacrados pelo Estado - e não estou falando de casos emblemáticos como Amarildo e Cláudia. Estou falando do DIARIAMENTE), dentro da minha cabeça, é o mesmo episódio de quando Britney Spears raspou a cabeça.
Me explico: dentro do imaginário social doentio-capitalista-pra-caralho, esteta até morrer dos Estados Unidos (estetas unidos?), é comum e motivo de orgulho para muitos pais inscrever suas filhas em concursos de mini-misses. O que mais tem na TV é reality shows mostrando essa mania torpe de destruir a infância das crianças em nome de um reconhecimento econômico posterior. Veja, e isso é uma CARREIRA. Britney iniciou logo cedo, trabalhou na Disney, lançou primeiro disco e, em 2007, pá, perdeu a linha, bebeu mais que devia, fumou um cigarrinho do capeta (provavelmente, né mores?) e raspou a cabeça.
Isso me soa como um desequilíbrio estrutural do próprio sistema - e é aqui que eu comparo os dois episódios. Vejam: se eu parto de um princípio em que o "natural" é uma criança-estrela crescer e ser a "miss american dream" (como Spears mesmo se auto-proclama em uma de suas músicas), quando ela faz qualquer coisa diferente do programado (programado MESMO), é porque algo deu muito errado. A pressão midiática, a retirada compulsória de uma infância, um casamento monitorado a todo tempo, enfim, fez com que ela perdesse completamente o juízo (ao menos aquele estabelecido por padrões psiquiátricos majoritários - até pq eu não vejo problema nenhum em usar drogas e raspar a cabeça, mas enfim).
No outro giro, o ciclista estava gozando de sua vida que foi programada para ele, morador da Zona Sul e habituée da Lagoa. Notem que isso não é um ataque pessoal: a própria esposa disse ser contra a redução da maioridade penal; eu não o conheço, não sei os pontos de vista dele sobre nada. É apenas a figura que ele representa, o recorte social que é protegido a todo tempo pelo Estado: a classe média (aquela verdadeira, aquela de várzea, aquela de raiz). Quando vem um jovem negro pobre marginalizado e, hoje, menor infrator, ele está se rebelando contra o status quo, ele está rasgando um script idealizado há tanto pelos detentores do poder. Ora, como podemos chamá-lo de criminoso se ele não passa de uma testemunha oprimida do Contrato Social? Não é aqui embaixo que as leis são diferentes: é lá em cima, onde esse garoto testemunhou mortes desde a infância, abandono familiar E governamental (como foi denunciado hoje pelo Jornal Extra). O menor é nosso anti-heroi - ele busca apenas o egoísmo da sobrevivência. Mas quem falou em egoísmo mesmo?
Conclusão: Acho que as pessoas perderam completamente a capacidade de interpretar um texto. O mundo - repito - é tomado de discursos de todas as ordens possíveis, mas apenas vendo de longe é possível apreender a bigger picture, que, para mim, compreende a interpretação adequada de todos os discursos. Não tem problema ir para um lado mais conservador: eu defendo seu direito de pensar equivocadamente. Mas o faça de maneira fundamentada, com bons argumentos, e não com intuito de preservar apenas o seu egoísmo (ah, sim, eu quem falei sobre egoísmo) que você brada, heroico, enquanto um suposto humano direito. Volte três casas no jogo da vida, compreenda, coloque-se no lugar do outro, perceba as diferenças em si que cada ser vivo possui e apenas depois disso você coloque seus dedos furiosos sobre um teclado de computador para vociferar um ódio que se presta apenas para fomentar mais o abismo social existente entre os vários recortes que existem por aí. E esse raciocínio, essa estratégia vale para QUALQUER opressão. Inclusive a que você deve experimentar diariamente, mas que, com o manto de cidadão de bem que o poder te emprestou momentaneamente para falar merda, você não consegue perceber.
Em suma: enquanto você não fizer isso... sua vida será um lixo.
segunda-feira, 18 de maio de 2015
A foda (não) tá liberada.
Ontem foi o Dia Internacional da Luta Contra a Homofobia e muitas postagens foram feitas, muito arco-íris, muito chat da uol, muito grindr e muito, claro, amor.
Inclusive, a postagem que MAIS me incomodou foi uma que dizia justamente que ontem era um dia de defender o direito de amarmos quem bem entendermos.
Não quero soar pessimista, nem anti-romântico, nem uma Lana Del Rey dos trópicos desesperada desestimulada, mas o que eu acredito é que a fonte da homofobia (ou da lesbofobia, ou da transfobia) não é exatamente THE LOVE ON THE SIDE, mas sim porque MY PUSSY TASTE LIKE PEPSI-COLA.
Porque, em verdade, não vejo as pessoas reproduzindo ódio contra o amor. Não. O amor romântico, essa invenção que deu muito certo para justificar a criação e manutenção das famílias, quando o fundamento patrimonial entra em colapso (embora nosso sistema jurídico, por mais tenha elevado o afeto como o fundamento das famílias, ainda preveja seus efeitos patrimoniais), em meu entender, não é o que faz as pessoas marginalizarem os LGBTs; quem faz isso é o sexo.
Num mundo falocêntrico e reprodutivo, o sexo com a boca e com o cu é sujo (bactérias no alfa, coliformes no ômega) e, no imaginário popular, o sexo entre lésbicas sempre vai ser incompleto por faltar o que enfiar. A única coisa que é aceita, fomentada, regulamentada e protegida é o coito vaginal. INTRODUTIO PENIS IN VAS, já diria o brocardo latino, num juridiquês babaca que sustentou, durante muito tempo, parte significativa dos nossos crimes contra a dignidade sexual.
Se de um lado (aquele médico) o amor é uma resposta neurobiológica do corpo, com produção/supressão de hormônios - o que faz com que a medicina relacione com a libido (pela produção de feromônios) e com certos tipos de doenças psíquicas (pela supressão de serotonina), por outro, o sexo é inegavelmente sujo, perversão, promiscuidade. Não é um certo livro que fala em "deitar com homem" ser "abominação"? - não se fala em amor aqui. O funk carioca, aquele proibidão, não é proibido justamente por violar toda e qualquer classificação etária (e otária) em seus versos despudorados e estrofes que arrombam o hímem da castidade inventada? O caso da MC Melody só não virou um escândalo porque seu pai, muito além de estar explorando seu trabalho, estava o fazendo com insinuações sexuais de uma menina que nem sequer havia alcançado a idade púbere? Mesmo quando sabemos que a exploração do trabalho infantil é um dos grandes males que assolam a humanidade e, mesmo assim, são poucas as vozes que se levantam contra essa barbárie?
Mas, para cair novamente no amor romântico, o que se defende, majoritariamente nos meios oficiais, não é o vínculo afetivo? Casamento igualitário, formação de famíliaS plurais? O sexo continua sendo deixado de lado. Romances cinematográficos não são exibidos no telão sem qualquer tipo de censura, enquanto os cinemas sexuais da Cinelândia são deixados apenas para os pervertidos, os doentes, os que devem ser mantidos à margem da sociedade? 50 Tons de Cinza não se tornou a febre que se tornou por seu romance subjacente, e não pela suposta prática de S&M?
Não é necessário, claro, regulamentar o sexo. Essa fase nós já passamos e a tarefa foi muito bem sucedida. Já (re)produzimos ódio, já promovemos escárnio, já tachamos de "promíscuo" aquele que apenas quer aproveitar os prazeres e não se submete às "responsabilidades" do amor (criação de família, subjugação a um sistema monogâmico, reprodução, etc).
Não podemos nos deixar enganar. O ódio não é contra o amor. O que essa imagem me provocou, muito além de uma refexão positiva em relação a uma data tão importante, foi a sensação de estarmos sendo enganados em nossa militância diária, em nossas não-militâncias, em nossas existências. O buraco (no caso, o cu, a buceta, a narina, o ouvido, ou qualquer outra porta de entrada - não de um pênis, mas do prazer) é muito mais embaixo e ninguém quer tocar nesses assuntos. Mas é necessário. E urgente.
Inclusive, a postagem que MAIS me incomodou foi uma que dizia justamente que ontem era um dia de defender o direito de amarmos quem bem entendermos.
Não quero soar pessimista, nem anti-romântico, nem uma Lana Del Rey dos trópicos desesperada desestimulada, mas o que eu acredito é que a fonte da homofobia (ou da lesbofobia, ou da transfobia) não é exatamente THE LOVE ON THE SIDE, mas sim porque MY PUSSY TASTE LIKE PEPSI-COLA.
Porque, em verdade, não vejo as pessoas reproduzindo ódio contra o amor. Não. O amor romântico, essa invenção que deu muito certo para justificar a criação e manutenção das famílias, quando o fundamento patrimonial entra em colapso (embora nosso sistema jurídico, por mais tenha elevado o afeto como o fundamento das famílias, ainda preveja seus efeitos patrimoniais), em meu entender, não é o que faz as pessoas marginalizarem os LGBTs; quem faz isso é o sexo.
Num mundo falocêntrico e reprodutivo, o sexo com a boca e com o cu é sujo (bactérias no alfa, coliformes no ômega) e, no imaginário popular, o sexo entre lésbicas sempre vai ser incompleto por faltar o que enfiar. A única coisa que é aceita, fomentada, regulamentada e protegida é o coito vaginal. INTRODUTIO PENIS IN VAS, já diria o brocardo latino, num juridiquês babaca que sustentou, durante muito tempo, parte significativa dos nossos crimes contra a dignidade sexual.
Se de um lado (aquele médico) o amor é uma resposta neurobiológica do corpo, com produção/supressão de hormônios - o que faz com que a medicina relacione com a libido (pela produção de feromônios) e com certos tipos de doenças psíquicas (pela supressão de serotonina), por outro, o sexo é inegavelmente sujo, perversão, promiscuidade. Não é um certo livro que fala em "deitar com homem" ser "abominação"? - não se fala em amor aqui. O funk carioca, aquele proibidão, não é proibido justamente por violar toda e qualquer classificação etária (e otária) em seus versos despudorados e estrofes que arrombam o hímem da castidade inventada? O caso da MC Melody só não virou um escândalo porque seu pai, muito além de estar explorando seu trabalho, estava o fazendo com insinuações sexuais de uma menina que nem sequer havia alcançado a idade púbere? Mesmo quando sabemos que a exploração do trabalho infantil é um dos grandes males que assolam a humanidade e, mesmo assim, são poucas as vozes que se levantam contra essa barbárie?
Mas, para cair novamente no amor romântico, o que se defende, majoritariamente nos meios oficiais, não é o vínculo afetivo? Casamento igualitário, formação de famíliaS plurais? O sexo continua sendo deixado de lado. Romances cinematográficos não são exibidos no telão sem qualquer tipo de censura, enquanto os cinemas sexuais da Cinelândia são deixados apenas para os pervertidos, os doentes, os que devem ser mantidos à margem da sociedade? 50 Tons de Cinza não se tornou a febre que se tornou por seu romance subjacente, e não pela suposta prática de S&M?
Não é necessário, claro, regulamentar o sexo. Essa fase nós já passamos e a tarefa foi muito bem sucedida. Já (re)produzimos ódio, já promovemos escárnio, já tachamos de "promíscuo" aquele que apenas quer aproveitar os prazeres e não se submete às "responsabilidades" do amor (criação de família, subjugação a um sistema monogâmico, reprodução, etc).
Não podemos nos deixar enganar. O ódio não é contra o amor. O que essa imagem me provocou, muito além de uma refexão positiva em relação a uma data tão importante, foi a sensação de estarmos sendo enganados em nossa militância diária, em nossas não-militâncias, em nossas existências. O buraco (no caso, o cu, a buceta, a narina, o ouvido, ou qualquer outra porta de entrada - não de um pênis, mas do prazer) é muito mais embaixo e ninguém quer tocar nesses assuntos. Mas é necessário. E urgente.
sábado, 16 de maio de 2015
CHILIQUE DEFINITIVO: leave banha alone (ou: Gordofobia é quase amor?)
Saí hoje do plantão e, como de costume, peguei o celular enquanto esperava o 332. Não gosto de ler no ponto, porque eu sou meio distraído e, se eu perco o ônibus, só depois de meia hora vem outro. Morar longe dá nisso. Então, normalmente é a hora que eu dou uma passada nas produções da madrugada: fotos de festas, amigos bêbados, mensagens que não podem ser codificadas e, às vezes, alguns compartilhamentos bobos, sem nenhuma pretensão. Além disso, feeds de páginas gringas que, dado o fuso horário, estão em pleno funcionamento.
Cinco postagens sobre emagrecimento. Cinco. Da página G (de onde eu não espero nada de edificante, anyway) a um aparelho milagroso que transforma a gordura abdominal em bateria para o celular (enquanto queima a gordura, diz a publicidade), todas as postagens enalteciam o corpo magro. Revi a origem das publicações para saber de onde vinham, e nenhuma página era relacionada a fitness.
Porque i've been there, done that. Quem me acompanha sabe que eu passei dois anos frequentando academia e com alimentação bastante restrita, até que eu alcancei o manequim 38, a camisa P, suava menos e era muito mais passável aos olhos do júri social. Adoraria ter medido a diferença em likes do Tinder, mas eu não dispunha de tal tecnologia na época. Então, eventualmente, poderiam ser postagens relacionadas a fitness, pero no: duas postagens vinham de amigos, três postagens vinham de página.
Há algum tempo atrás - na época da dieta - escrevi um longo texto justificando que eu havia me libertado dos grilhões estéticos e, naquele momento, eu me proclamava apenas um guardião da boa saúde (escrevo isso enquanto revezo entre coxinhas, quibes e bolinhas de queijo): àquele tempo, eu já não era trouxa pra acreditar na imposição do capital para o corpo perfeito, mas eu fazia aquilo pra manter os exames em dia e soar exemplar para qualquer jaleco-branco que viesse me mensurar.
Mas, em primeiro lugar, nunca estamos livres completamente, não é mesmo? Ao menos, não em se tratando do inconsciente. Vejam: eu ia diariamente à academia, era exposto a corpos esbeltos, a corpos grandes, a corpos suplementados e anabolizados. Nunca comprei uma camisa da Nike para correr porque eu acho um disparate gastar três dígitos em algo no que vou SUAR, mas gostava de estar sempre impecável, apresentável, para os colegas da academia que eu sequer trocava mais de três palavras. Torrava cerca de quatrocentos reais ao mês em suplementos. Cheguei a tomar um "anabolizante levinho", tudo muito estudado, tudo muito bem orientado, "só pra dar um gás". Na saúde é que não foi.
Por vários motivos, que vão desde ter morado praticamente ao lado de um dos meus bares preferidos, até uma mudança repentina, drástica e dramática (como tudo na minha vida), eu promovi um apocalipse no meu corpo (acabaram os salgadinhos, mas penso em abrir a despensa e catar um chocolate de lá) e estou hoje quase com o mesmo corpo que estava antes de iniciar a dieta. Em termpos de peso, porque a postura é outra, afinal, a academia realmente promove essa mudança. Mas já passei por isso antes e certamente daqui a pouco minha postura vai estar novamente a mesma. E eu, bem, eu continuo sendo eu.
Mas saindo da órbita do meu umbigo - este prefácio foi apenas para demonstrar que eu passei pelo que estou falando, o fato é que, dentro do discurso do corpo magro, apenas duas vertentes fundamentais são utilizadas para justificar a exclusão das milhões de pessoas (que são maioria) que não ostentam o corpo perfeito: de um lado, a ditadura do corpo; de outro, a saúde.
A ditadura do corpo não pode vencer. É um argumento raso. Presta apenas a atender ao capital: pessoas magras sentem-se à vontade de comprar mais roupas, logo, consomem mais; essa ordem das coisas se dá, claro, por termos adotada uma vestimenta que é ditada pela moda, que desfila corpos anoréxicos em passarelas que permitem o caimento dito perfeito de qualquer tecido. Quando falamos em inclusão, a moda vem e lança uma modelo plus size que, na verdade, só tem mais bunda. Para os homens, ainda que os termos sejam mais flexíveis (vejam a TENDÊNCIA SEXUAL de agora, o Dad Bod - homens com corpo normal, mas que a barriga não estrapola o limite da "barriguinha de cerveja"), o mundo da moda também é dramático: six-packs enfileirados prometendo ao usuário daquela roupa/marca sucesso afetivo, sexual e profissional. Qualquer pessoa que não esteja dentro destes padrões (ou das exceções que o próprio capital enuncia quando seus padrões entram em colapso), é automaticamente jogada para escanteio, ridicularizada, tratada como sub-humana: incapaz de se relacionar, de ascender profissionalmente, e, em casos mais drásticos, de ser limpa. Não foi Nelson Rodrigues quem falou que a gorda tem varizes e sua azedo?
Mas aí vem a tábua de salvação retórica do padrão hegemônico: a saúde. A medicina, por ser tão cara à humanidade, a zeladora da vida, cujos representantes na terra são pessoas sem doutorado a quem chamamos de doutores, vem e sentencia que devemos ser magros. Colesterol, riscos vasculares, complicações ortopédicas, tudo é utilizado para salvar uma vida gorda e, o mais importante: controlar uma vida gorda.
Não é de hoje que a Medicina controla a vida das pessoas. E quando falo em "vida", não estou falando apenas de seu aspecto material, aquela coisa que acaba com a morte; estou falando sim dos comportamentos, pensamentos, posicionamentos. A medicina é, muito antes do conjunto de práticas para a melhoria da saúde humana, um discurso político. Em um tempo em que mulheres não tinham direito a nada além de casar e ser absolutamente submissas ao marido, o comportamento sexual das mesmas era controlado sob o fundamento da histeria. A loucura, do ramo psiquiátrico, pode simplesmente ser uma vontade de a pessoa não se adequar em nenhuma caixinha que empurramos para ela logo ao nascer. Pessoas transexuais são tidas até hoje pela psiquiatria como pessoas que padecem de transtorno identitário. Tratamentos já foram realizados para extinguir a população negra, promovendo uniões interraciais cuja prole seria menos negra que o seu parent negro. E, num processo contínuo de exclusão e marginalização, a Medicina, muito politicamente, vai determinando quem está apto ou não para uma vida plena.
Então, esse pensamento, esse fundamento da saúde não pode existir. O corpo, pra mim, não passa da representação física de algo muito maior (e filosófico): a vida. E dele eu faço o que eu bem entender. Eu tenho certeza (por já ter passado por isso) que ter engordado novamente me gera muito mais aborrecimentos (no sentido de as pessoas me aborrecerem com isso, me questionarem, denotarem uma fraqueza em mim) do que quando assumi publicamente ter tomado certo anabolizante, apenas para acelerar o processo de obtenção do corpo perfeito. E, migos, isso tá ERRADO. A máxima "meu corpo, minhas regras" tem que transcender a genitália e subir pra barriga (mas sem orbitar no umbigo), incendiar a pele e chamuscar até o último fio de cabelo. Eu tenho que poder entrar numa lanchonete e pedir um hamburger às nove da manhã sem olhos macabros sobre os dígitos que aparecem em minha balança - que vestem uma máscara de preocupação, de afeto, de amor.
Porque o que mata não é a gordura. É a caça às bruxas que se promove contra ela (descobri que tinha duas fatias de pizza no microondas. Joguei mostarda e estou comendo enquanto aperto o botão "publicar").
Cinco postagens sobre emagrecimento. Cinco. Da página G (de onde eu não espero nada de edificante, anyway) a um aparelho milagroso que transforma a gordura abdominal em bateria para o celular (enquanto queima a gordura, diz a publicidade), todas as postagens enalteciam o corpo magro. Revi a origem das publicações para saber de onde vinham, e nenhuma página era relacionada a fitness.
Porque i've been there, done that. Quem me acompanha sabe que eu passei dois anos frequentando academia e com alimentação bastante restrita, até que eu alcancei o manequim 38, a camisa P, suava menos e era muito mais passável aos olhos do júri social. Adoraria ter medido a diferença em likes do Tinder, mas eu não dispunha de tal tecnologia na época. Então, eventualmente, poderiam ser postagens relacionadas a fitness, pero no: duas postagens vinham de amigos, três postagens vinham de página.
Há algum tempo atrás - na época da dieta - escrevi um longo texto justificando que eu havia me libertado dos grilhões estéticos e, naquele momento, eu me proclamava apenas um guardião da boa saúde (escrevo isso enquanto revezo entre coxinhas, quibes e bolinhas de queijo): àquele tempo, eu já não era trouxa pra acreditar na imposição do capital para o corpo perfeito, mas eu fazia aquilo pra manter os exames em dia e soar exemplar para qualquer jaleco-branco que viesse me mensurar.
Mas, em primeiro lugar, nunca estamos livres completamente, não é mesmo? Ao menos, não em se tratando do inconsciente. Vejam: eu ia diariamente à academia, era exposto a corpos esbeltos, a corpos grandes, a corpos suplementados e anabolizados. Nunca comprei uma camisa da Nike para correr porque eu acho um disparate gastar três dígitos em algo no que vou SUAR, mas gostava de estar sempre impecável, apresentável, para os colegas da academia que eu sequer trocava mais de três palavras. Torrava cerca de quatrocentos reais ao mês em suplementos. Cheguei a tomar um "anabolizante levinho", tudo muito estudado, tudo muito bem orientado, "só pra dar um gás". Na saúde é que não foi.
Por vários motivos, que vão desde ter morado praticamente ao lado de um dos meus bares preferidos, até uma mudança repentina, drástica e dramática (como tudo na minha vida), eu promovi um apocalipse no meu corpo (acabaram os salgadinhos, mas penso em abrir a despensa e catar um chocolate de lá) e estou hoje quase com o mesmo corpo que estava antes de iniciar a dieta. Em termpos de peso, porque a postura é outra, afinal, a academia realmente promove essa mudança. Mas já passei por isso antes e certamente daqui a pouco minha postura vai estar novamente a mesma. E eu, bem, eu continuo sendo eu.
Mas saindo da órbita do meu umbigo - este prefácio foi apenas para demonstrar que eu passei pelo que estou falando, o fato é que, dentro do discurso do corpo magro, apenas duas vertentes fundamentais são utilizadas para justificar a exclusão das milhões de pessoas (que são maioria) que não ostentam o corpo perfeito: de um lado, a ditadura do corpo; de outro, a saúde.
A ditadura do corpo não pode vencer. É um argumento raso. Presta apenas a atender ao capital: pessoas magras sentem-se à vontade de comprar mais roupas, logo, consomem mais; essa ordem das coisas se dá, claro, por termos adotada uma vestimenta que é ditada pela moda, que desfila corpos anoréxicos em passarelas que permitem o caimento dito perfeito de qualquer tecido. Quando falamos em inclusão, a moda vem e lança uma modelo plus size que, na verdade, só tem mais bunda. Para os homens, ainda que os termos sejam mais flexíveis (vejam a TENDÊNCIA SEXUAL de agora, o Dad Bod - homens com corpo normal, mas que a barriga não estrapola o limite da "barriguinha de cerveja"), o mundo da moda também é dramático: six-packs enfileirados prometendo ao usuário daquela roupa/marca sucesso afetivo, sexual e profissional. Qualquer pessoa que não esteja dentro destes padrões (ou das exceções que o próprio capital enuncia quando seus padrões entram em colapso), é automaticamente jogada para escanteio, ridicularizada, tratada como sub-humana: incapaz de se relacionar, de ascender profissionalmente, e, em casos mais drásticos, de ser limpa. Não foi Nelson Rodrigues quem falou que a gorda tem varizes e sua azedo?
Mas aí vem a tábua de salvação retórica do padrão hegemônico: a saúde. A medicina, por ser tão cara à humanidade, a zeladora da vida, cujos representantes na terra são pessoas sem doutorado a quem chamamos de doutores, vem e sentencia que devemos ser magros. Colesterol, riscos vasculares, complicações ortopédicas, tudo é utilizado para salvar uma vida gorda e, o mais importante: controlar uma vida gorda.
Não é de hoje que a Medicina controla a vida das pessoas. E quando falo em "vida", não estou falando apenas de seu aspecto material, aquela coisa que acaba com a morte; estou falando sim dos comportamentos, pensamentos, posicionamentos. A medicina é, muito antes do conjunto de práticas para a melhoria da saúde humana, um discurso político. Em um tempo em que mulheres não tinham direito a nada além de casar e ser absolutamente submissas ao marido, o comportamento sexual das mesmas era controlado sob o fundamento da histeria. A loucura, do ramo psiquiátrico, pode simplesmente ser uma vontade de a pessoa não se adequar em nenhuma caixinha que empurramos para ela logo ao nascer. Pessoas transexuais são tidas até hoje pela psiquiatria como pessoas que padecem de transtorno identitário. Tratamentos já foram realizados para extinguir a população negra, promovendo uniões interraciais cuja prole seria menos negra que o seu parent negro. E, num processo contínuo de exclusão e marginalização, a Medicina, muito politicamente, vai determinando quem está apto ou não para uma vida plena.
Então, esse pensamento, esse fundamento da saúde não pode existir. O corpo, pra mim, não passa da representação física de algo muito maior (e filosófico): a vida. E dele eu faço o que eu bem entender. Eu tenho certeza (por já ter passado por isso) que ter engordado novamente me gera muito mais aborrecimentos (no sentido de as pessoas me aborrecerem com isso, me questionarem, denotarem uma fraqueza em mim) do que quando assumi publicamente ter tomado certo anabolizante, apenas para acelerar o processo de obtenção do corpo perfeito. E, migos, isso tá ERRADO. A máxima "meu corpo, minhas regras" tem que transcender a genitália e subir pra barriga (mas sem orbitar no umbigo), incendiar a pele e chamuscar até o último fio de cabelo. Eu tenho que poder entrar numa lanchonete e pedir um hamburger às nove da manhã sem olhos macabros sobre os dígitos que aparecem em minha balança - que vestem uma máscara de preocupação, de afeto, de amor.
Porque o que mata não é a gordura. É a caça às bruxas que se promove contra ela (descobri que tinha duas fatias de pizza no microondas. Joguei mostarda e estou comendo enquanto aperto o botão "publicar").
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