I cried enough tears
To see my own reflection in them
Desde que entrei no Facebook, em 2010, sempre deixei minha página fechada para postagens. Acho que, por ser um espaço meu, logo eu, que preciso de um palco, nunca deixei que outras pessoas falassem por mim. Eu levo a rede social a sério: sempre depositei meus pensamentos. Sempre achei que, se alguém postasse em minha linha do tempo, este alguém estaria falando por mim. E eu nunca transei essa ideia.
Cinco anos se passaram. Cinco anos de Facebook, cinco anos de Rio de Janeiro, cinco anos de tentativas e erros, cinco anos de leitura, de aprendizado, de auto-conhecimento, de esbórnias, de ressacas, de marés altas, de noites sem dormir, de manhãs dormidas demais, de desbravamentos de zonas desconhecidas (norte a sul, oeste a no leste é o mar). E aquele Alan de ontem, que não deixava ninguém postar em sua timeline, permanece. Dono do palco? Talvez.
Mas, uma vez por ano, eu abro a página. Meu aniversário. Sempre permito que as pessoas depositem ali seus desejos para o novo ano que se instaura pra mim. Leio, sempre, um por um. Às vezes curto, às vezes o tempo é curto demais para curtir cada postagem. Mas meu coração fica cheio de alegria quando vejo todas estas participações (mais que) especiais adentrando em meu palco para uma dança conjunta, braços dados, afetos espalhafatosos e bites e mais bites de TAMOJUNTO.
E, normalmente, respondo no dia seguinte. Mas este ano não.
Acho que precisei digerir. Tive medo dos 30, devo assumir. Mudar de década, dentro de minha cabeça que leva tudo muito a sério mas ainda se porta como um jovem que receia tudo, tive que entender e aceitar que estava entrando em uma nova era, ainda que discursiva. Tive que lidar com o fato que estou distante demais daquilo que eu esperava de mim há quinze anos atrás. Mas tive também que aceitar que o tempo me transformou em algo que eu nunca pensei que pudesse ser.
E todos as felicitações me deixaram claro isso. Ano passado eu tive a breve certeza de que eu sabia o caminho que eu tinha que seguir. Este ano, com uma série de mudanças que me vi obrigado a enfrentar, pensei em deixar essa certeza para lá e aceitar que o mundo, como ele está estruturado, ditasse meu caminho. Mas não. Chegando aos trinta - e uma amiga muito querida me falou: "ah, mas fazer trinta é ótimo: é quando você descobre o que quer", eu reassumo o meu compromisso com a minha existência e desejo, ao apagar as velas, romper com tudo aquilo que eu não acredito. Sei do preço disso. Sei que estar no raso é muito mais confortável, mas estar no raso hoje não me foi suficiente. Eu quero o que transcende.
Isso vai gerar antipatia. Isso vai demandar muito mais leitura, muito mais sensibilidade, muito mais empatia e muito mais ciência de que o outro é uma diferença em si que precisa ser respeitada. Vou precisar de calma, de tempo (até os quarenta dá, né?), de uma certeza, ainda que interna, de que tudo vai dar certo. Por mais que comentários no jornal O Globo me digam o contrário, eu preciso acreditar que o meu norte (e o de tantxs outrxs) é o melhor, sem esmorecer, sem permitir que o pânico se instale a cada grito que contradiga a minha fé.
E hoje eu tenho certeza que eu tenho todas as armas que preciso para isso.
domingo, 24 de maio de 2015
sexta-feira, 22 de maio de 2015
Britney careca e ciclista esfaqueado: uma lâmina de dois gumes.
Eu estava tentando não me manifestar sobre o caso do ciclista assassinado na Lagoa. Muito talvez pelo amor que recebi ontem em meu aniversário, hoje acordei namastê pra caralho, abraçando árvores, falando com duendes e acreditando em fadas. Mas não dá. Primeiro porque me dou conta que 70% de todo o amor que foi despejado em cima de mim é JUSTAMENTE por eu escrever, por eu debater, por eu perder horas a fio falando sobre os mais variados assuntos. E, depois, porque vendo o que a galera escreve nas redes sociais, sem o menor comprometimento com uma construção REAL dos direitos humanos, chega uma hora que a panela de pressão explode.
Primeiro item: os direitos humanos não foram feitos para humanos direitos. Acabei de ler uma insinuação desta na página de uma advogada ligada à militância LGBT. Pelo menos, aquela militância institucional, que vê o LGBT sendo L e G, não compreende o B, e patologiza o T. Nada de novo, exceto a possibilidade de angariar um nicho mercadológico-jurídico novo, mais escrituras de Uniões Estáveis, e, com um pouco de sorte, mais dissoluções lá na frente. Porque divisão de patrimônio é que dá dinheiro, não é mesmo? O mesmo pink money de sempre, mas só com uma roupagem.
Os direitos humanos foram criados para os humanos tortos. Isso mesmo. Aqueles humanos que, por serem dissonantes de determinado padrão hegemônico, são escrachados, ridicularizados, marginalizados, escravizados, comercializados. È pra bicha escandalosa, pra sapatona desvairada, pra travesti que se prostitui, pro preto-pobre-favelado (se entrar pro crime, melhor ainda), pra mulher que apanha em casa, pra mulher que enfrenta o mercado de trabalho de maneira empoderada. Então não mete esse caô de "ah, eu, pobre classe média sofredora, que pago impostos que não são revertidos pra mim". Porque eles são. Não da melhor maneira, mas quando você compra um carro zero com isenção de IPI, bem, alguém está pagando, não é? Quando se vota um projeto de lei para anistiar planos de saúde, bem, esse dinheiro está saindo de algum lugar, não é? Mas certamente não é do bolso vazio daquele que anda de ônibus lotado todos os dias e que, quando fica doente, não tem o direito de sequer um leito para se deitar e tomar remédio. Eu quero que os humanos direitos se contorçam de ódio a cada vez que uma bandeira de RESISTÊNCIA, de RE-EXISTÊNCIA, é hasteada por aí.
Segundo item: No dia anterior ao meu aniversário, eu me reuni com alguns amigos e tomei umas muitas cervejas. E tive uma epifania torpe, quase escatológica: o assassinato do ciclista (e eu ME RECUSO a chamá-lo pelo nome próprio enquanto diariamente inúmeros brasileiros são enterrados como indigentes - vale lembrar as travestis que não têm seu nome social respeitado nem mesmo no pós-morte, e os milhares de pobres que jamais vão alcançar a primeira página de um jornal quando massacrados pelo Estado - e não estou falando de casos emblemáticos como Amarildo e Cláudia. Estou falando do DIARIAMENTE), dentro da minha cabeça, é o mesmo episódio de quando Britney Spears raspou a cabeça.
Me explico: dentro do imaginário social doentio-capitalista-pra-caralho, esteta até morrer dos Estados Unidos (estetas unidos?), é comum e motivo de orgulho para muitos pais inscrever suas filhas em concursos de mini-misses. O que mais tem na TV é reality shows mostrando essa mania torpe de destruir a infância das crianças em nome de um reconhecimento econômico posterior. Veja, e isso é uma CARREIRA. Britney iniciou logo cedo, trabalhou na Disney, lançou primeiro disco e, em 2007, pá, perdeu a linha, bebeu mais que devia, fumou um cigarrinho do capeta (provavelmente, né mores?) e raspou a cabeça.
Isso me soa como um desequilíbrio estrutural do próprio sistema - e é aqui que eu comparo os dois episódios. Vejam: se eu parto de um princípio em que o "natural" é uma criança-estrela crescer e ser a "miss american dream" (como Spears mesmo se auto-proclama em uma de suas músicas), quando ela faz qualquer coisa diferente do programado (programado MESMO), é porque algo deu muito errado. A pressão midiática, a retirada compulsória de uma infância, um casamento monitorado a todo tempo, enfim, fez com que ela perdesse completamente o juízo (ao menos aquele estabelecido por padrões psiquiátricos majoritários - até pq eu não vejo problema nenhum em usar drogas e raspar a cabeça, mas enfim).
No outro giro, o ciclista estava gozando de sua vida que foi programada para ele, morador da Zona Sul e habituée da Lagoa. Notem que isso não é um ataque pessoal: a própria esposa disse ser contra a redução da maioridade penal; eu não o conheço, não sei os pontos de vista dele sobre nada. É apenas a figura que ele representa, o recorte social que é protegido a todo tempo pelo Estado: a classe média (aquela verdadeira, aquela de várzea, aquela de raiz). Quando vem um jovem negro pobre marginalizado e, hoje, menor infrator, ele está se rebelando contra o status quo, ele está rasgando um script idealizado há tanto pelos detentores do poder. Ora, como podemos chamá-lo de criminoso se ele não passa de uma testemunha oprimida do Contrato Social? Não é aqui embaixo que as leis são diferentes: é lá em cima, onde esse garoto testemunhou mortes desde a infância, abandono familiar E governamental (como foi denunciado hoje pelo Jornal Extra). O menor é nosso anti-heroi - ele busca apenas o egoísmo da sobrevivência. Mas quem falou em egoísmo mesmo?
Conclusão: Acho que as pessoas perderam completamente a capacidade de interpretar um texto. O mundo - repito - é tomado de discursos de todas as ordens possíveis, mas apenas vendo de longe é possível apreender a bigger picture, que, para mim, compreende a interpretação adequada de todos os discursos. Não tem problema ir para um lado mais conservador: eu defendo seu direito de pensar equivocadamente. Mas o faça de maneira fundamentada, com bons argumentos, e não com intuito de preservar apenas o seu egoísmo (ah, sim, eu quem falei sobre egoísmo) que você brada, heroico, enquanto um suposto humano direito. Volte três casas no jogo da vida, compreenda, coloque-se no lugar do outro, perceba as diferenças em si que cada ser vivo possui e apenas depois disso você coloque seus dedos furiosos sobre um teclado de computador para vociferar um ódio que se presta apenas para fomentar mais o abismo social existente entre os vários recortes que existem por aí. E esse raciocínio, essa estratégia vale para QUALQUER opressão. Inclusive a que você deve experimentar diariamente, mas que, com o manto de cidadão de bem que o poder te emprestou momentaneamente para falar merda, você não consegue perceber.
Em suma: enquanto você não fizer isso... sua vida será um lixo.
Primeiro item: os direitos humanos não foram feitos para humanos direitos. Acabei de ler uma insinuação desta na página de uma advogada ligada à militância LGBT. Pelo menos, aquela militância institucional, que vê o LGBT sendo L e G, não compreende o B, e patologiza o T. Nada de novo, exceto a possibilidade de angariar um nicho mercadológico-jurídico novo, mais escrituras de Uniões Estáveis, e, com um pouco de sorte, mais dissoluções lá na frente. Porque divisão de patrimônio é que dá dinheiro, não é mesmo? O mesmo pink money de sempre, mas só com uma roupagem.
Os direitos humanos foram criados para os humanos tortos. Isso mesmo. Aqueles humanos que, por serem dissonantes de determinado padrão hegemônico, são escrachados, ridicularizados, marginalizados, escravizados, comercializados. È pra bicha escandalosa, pra sapatona desvairada, pra travesti que se prostitui, pro preto-pobre-favelado (se entrar pro crime, melhor ainda), pra mulher que apanha em casa, pra mulher que enfrenta o mercado de trabalho de maneira empoderada. Então não mete esse caô de "ah, eu, pobre classe média sofredora, que pago impostos que não são revertidos pra mim". Porque eles são. Não da melhor maneira, mas quando você compra um carro zero com isenção de IPI, bem, alguém está pagando, não é? Quando se vota um projeto de lei para anistiar planos de saúde, bem, esse dinheiro está saindo de algum lugar, não é? Mas certamente não é do bolso vazio daquele que anda de ônibus lotado todos os dias e que, quando fica doente, não tem o direito de sequer um leito para se deitar e tomar remédio. Eu quero que os humanos direitos se contorçam de ódio a cada vez que uma bandeira de RESISTÊNCIA, de RE-EXISTÊNCIA, é hasteada por aí.
Segundo item: No dia anterior ao meu aniversário, eu me reuni com alguns amigos e tomei umas muitas cervejas. E tive uma epifania torpe, quase escatológica: o assassinato do ciclista (e eu ME RECUSO a chamá-lo pelo nome próprio enquanto diariamente inúmeros brasileiros são enterrados como indigentes - vale lembrar as travestis que não têm seu nome social respeitado nem mesmo no pós-morte, e os milhares de pobres que jamais vão alcançar a primeira página de um jornal quando massacrados pelo Estado - e não estou falando de casos emblemáticos como Amarildo e Cláudia. Estou falando do DIARIAMENTE), dentro da minha cabeça, é o mesmo episódio de quando Britney Spears raspou a cabeça.
Me explico: dentro do imaginário social doentio-capitalista-pra-caralho, esteta até morrer dos Estados Unidos (estetas unidos?), é comum e motivo de orgulho para muitos pais inscrever suas filhas em concursos de mini-misses. O que mais tem na TV é reality shows mostrando essa mania torpe de destruir a infância das crianças em nome de um reconhecimento econômico posterior. Veja, e isso é uma CARREIRA. Britney iniciou logo cedo, trabalhou na Disney, lançou primeiro disco e, em 2007, pá, perdeu a linha, bebeu mais que devia, fumou um cigarrinho do capeta (provavelmente, né mores?) e raspou a cabeça.
Isso me soa como um desequilíbrio estrutural do próprio sistema - e é aqui que eu comparo os dois episódios. Vejam: se eu parto de um princípio em que o "natural" é uma criança-estrela crescer e ser a "miss american dream" (como Spears mesmo se auto-proclama em uma de suas músicas), quando ela faz qualquer coisa diferente do programado (programado MESMO), é porque algo deu muito errado. A pressão midiática, a retirada compulsória de uma infância, um casamento monitorado a todo tempo, enfim, fez com que ela perdesse completamente o juízo (ao menos aquele estabelecido por padrões psiquiátricos majoritários - até pq eu não vejo problema nenhum em usar drogas e raspar a cabeça, mas enfim).
No outro giro, o ciclista estava gozando de sua vida que foi programada para ele, morador da Zona Sul e habituée da Lagoa. Notem que isso não é um ataque pessoal: a própria esposa disse ser contra a redução da maioridade penal; eu não o conheço, não sei os pontos de vista dele sobre nada. É apenas a figura que ele representa, o recorte social que é protegido a todo tempo pelo Estado: a classe média (aquela verdadeira, aquela de várzea, aquela de raiz). Quando vem um jovem negro pobre marginalizado e, hoje, menor infrator, ele está se rebelando contra o status quo, ele está rasgando um script idealizado há tanto pelos detentores do poder. Ora, como podemos chamá-lo de criminoso se ele não passa de uma testemunha oprimida do Contrato Social? Não é aqui embaixo que as leis são diferentes: é lá em cima, onde esse garoto testemunhou mortes desde a infância, abandono familiar E governamental (como foi denunciado hoje pelo Jornal Extra). O menor é nosso anti-heroi - ele busca apenas o egoísmo da sobrevivência. Mas quem falou em egoísmo mesmo?
Conclusão: Acho que as pessoas perderam completamente a capacidade de interpretar um texto. O mundo - repito - é tomado de discursos de todas as ordens possíveis, mas apenas vendo de longe é possível apreender a bigger picture, que, para mim, compreende a interpretação adequada de todos os discursos. Não tem problema ir para um lado mais conservador: eu defendo seu direito de pensar equivocadamente. Mas o faça de maneira fundamentada, com bons argumentos, e não com intuito de preservar apenas o seu egoísmo (ah, sim, eu quem falei sobre egoísmo) que você brada, heroico, enquanto um suposto humano direito. Volte três casas no jogo da vida, compreenda, coloque-se no lugar do outro, perceba as diferenças em si que cada ser vivo possui e apenas depois disso você coloque seus dedos furiosos sobre um teclado de computador para vociferar um ódio que se presta apenas para fomentar mais o abismo social existente entre os vários recortes que existem por aí. E esse raciocínio, essa estratégia vale para QUALQUER opressão. Inclusive a que você deve experimentar diariamente, mas que, com o manto de cidadão de bem que o poder te emprestou momentaneamente para falar merda, você não consegue perceber.
Em suma: enquanto você não fizer isso... sua vida será um lixo.
segunda-feira, 18 de maio de 2015
A foda (não) tá liberada.
Ontem foi o Dia Internacional da Luta Contra a Homofobia e muitas postagens foram feitas, muito arco-íris, muito chat da uol, muito grindr e muito, claro, amor.
Inclusive, a postagem que MAIS me incomodou foi uma que dizia justamente que ontem era um dia de defender o direito de amarmos quem bem entendermos.
Não quero soar pessimista, nem anti-romântico, nem uma Lana Del Rey dos trópicos desesperada desestimulada, mas o que eu acredito é que a fonte da homofobia (ou da lesbofobia, ou da transfobia) não é exatamente THE LOVE ON THE SIDE, mas sim porque MY PUSSY TASTE LIKE PEPSI-COLA.
Porque, em verdade, não vejo as pessoas reproduzindo ódio contra o amor. Não. O amor romântico, essa invenção que deu muito certo para justificar a criação e manutenção das famílias, quando o fundamento patrimonial entra em colapso (embora nosso sistema jurídico, por mais tenha elevado o afeto como o fundamento das famílias, ainda preveja seus efeitos patrimoniais), em meu entender, não é o que faz as pessoas marginalizarem os LGBTs; quem faz isso é o sexo.
Num mundo falocêntrico e reprodutivo, o sexo com a boca e com o cu é sujo (bactérias no alfa, coliformes no ômega) e, no imaginário popular, o sexo entre lésbicas sempre vai ser incompleto por faltar o que enfiar. A única coisa que é aceita, fomentada, regulamentada e protegida é o coito vaginal. INTRODUTIO PENIS IN VAS, já diria o brocardo latino, num juridiquês babaca que sustentou, durante muito tempo, parte significativa dos nossos crimes contra a dignidade sexual.
Se de um lado (aquele médico) o amor é uma resposta neurobiológica do corpo, com produção/supressão de hormônios - o que faz com que a medicina relacione com a libido (pela produção de feromônios) e com certos tipos de doenças psíquicas (pela supressão de serotonina), por outro, o sexo é inegavelmente sujo, perversão, promiscuidade. Não é um certo livro que fala em "deitar com homem" ser "abominação"? - não se fala em amor aqui. O funk carioca, aquele proibidão, não é proibido justamente por violar toda e qualquer classificação etária (e otária) em seus versos despudorados e estrofes que arrombam o hímem da castidade inventada? O caso da MC Melody só não virou um escândalo porque seu pai, muito além de estar explorando seu trabalho, estava o fazendo com insinuações sexuais de uma menina que nem sequer havia alcançado a idade púbere? Mesmo quando sabemos que a exploração do trabalho infantil é um dos grandes males que assolam a humanidade e, mesmo assim, são poucas as vozes que se levantam contra essa barbárie?
Mas, para cair novamente no amor romântico, o que se defende, majoritariamente nos meios oficiais, não é o vínculo afetivo? Casamento igualitário, formação de famíliaS plurais? O sexo continua sendo deixado de lado. Romances cinematográficos não são exibidos no telão sem qualquer tipo de censura, enquanto os cinemas sexuais da Cinelândia são deixados apenas para os pervertidos, os doentes, os que devem ser mantidos à margem da sociedade? 50 Tons de Cinza não se tornou a febre que se tornou por seu romance subjacente, e não pela suposta prática de S&M?
Não é necessário, claro, regulamentar o sexo. Essa fase nós já passamos e a tarefa foi muito bem sucedida. Já (re)produzimos ódio, já promovemos escárnio, já tachamos de "promíscuo" aquele que apenas quer aproveitar os prazeres e não se submete às "responsabilidades" do amor (criação de família, subjugação a um sistema monogâmico, reprodução, etc).
Não podemos nos deixar enganar. O ódio não é contra o amor. O que essa imagem me provocou, muito além de uma refexão positiva em relação a uma data tão importante, foi a sensação de estarmos sendo enganados em nossa militância diária, em nossas não-militâncias, em nossas existências. O buraco (no caso, o cu, a buceta, a narina, o ouvido, ou qualquer outra porta de entrada - não de um pênis, mas do prazer) é muito mais embaixo e ninguém quer tocar nesses assuntos. Mas é necessário. E urgente.
Inclusive, a postagem que MAIS me incomodou foi uma que dizia justamente que ontem era um dia de defender o direito de amarmos quem bem entendermos.
Não quero soar pessimista, nem anti-romântico, nem uma Lana Del Rey dos trópicos desesperada desestimulada, mas o que eu acredito é que a fonte da homofobia (ou da lesbofobia, ou da transfobia) não é exatamente THE LOVE ON THE SIDE, mas sim porque MY PUSSY TASTE LIKE PEPSI-COLA.
Porque, em verdade, não vejo as pessoas reproduzindo ódio contra o amor. Não. O amor romântico, essa invenção que deu muito certo para justificar a criação e manutenção das famílias, quando o fundamento patrimonial entra em colapso (embora nosso sistema jurídico, por mais tenha elevado o afeto como o fundamento das famílias, ainda preveja seus efeitos patrimoniais), em meu entender, não é o que faz as pessoas marginalizarem os LGBTs; quem faz isso é o sexo.
Num mundo falocêntrico e reprodutivo, o sexo com a boca e com o cu é sujo (bactérias no alfa, coliformes no ômega) e, no imaginário popular, o sexo entre lésbicas sempre vai ser incompleto por faltar o que enfiar. A única coisa que é aceita, fomentada, regulamentada e protegida é o coito vaginal. INTRODUTIO PENIS IN VAS, já diria o brocardo latino, num juridiquês babaca que sustentou, durante muito tempo, parte significativa dos nossos crimes contra a dignidade sexual.
Se de um lado (aquele médico) o amor é uma resposta neurobiológica do corpo, com produção/supressão de hormônios - o que faz com que a medicina relacione com a libido (pela produção de feromônios) e com certos tipos de doenças psíquicas (pela supressão de serotonina), por outro, o sexo é inegavelmente sujo, perversão, promiscuidade. Não é um certo livro que fala em "deitar com homem" ser "abominação"? - não se fala em amor aqui. O funk carioca, aquele proibidão, não é proibido justamente por violar toda e qualquer classificação etária (e otária) em seus versos despudorados e estrofes que arrombam o hímem da castidade inventada? O caso da MC Melody só não virou um escândalo porque seu pai, muito além de estar explorando seu trabalho, estava o fazendo com insinuações sexuais de uma menina que nem sequer havia alcançado a idade púbere? Mesmo quando sabemos que a exploração do trabalho infantil é um dos grandes males que assolam a humanidade e, mesmo assim, são poucas as vozes que se levantam contra essa barbárie?
Mas, para cair novamente no amor romântico, o que se defende, majoritariamente nos meios oficiais, não é o vínculo afetivo? Casamento igualitário, formação de famíliaS plurais? O sexo continua sendo deixado de lado. Romances cinematográficos não são exibidos no telão sem qualquer tipo de censura, enquanto os cinemas sexuais da Cinelândia são deixados apenas para os pervertidos, os doentes, os que devem ser mantidos à margem da sociedade? 50 Tons de Cinza não se tornou a febre que se tornou por seu romance subjacente, e não pela suposta prática de S&M?
Não é necessário, claro, regulamentar o sexo. Essa fase nós já passamos e a tarefa foi muito bem sucedida. Já (re)produzimos ódio, já promovemos escárnio, já tachamos de "promíscuo" aquele que apenas quer aproveitar os prazeres e não se submete às "responsabilidades" do amor (criação de família, subjugação a um sistema monogâmico, reprodução, etc).
Não podemos nos deixar enganar. O ódio não é contra o amor. O que essa imagem me provocou, muito além de uma refexão positiva em relação a uma data tão importante, foi a sensação de estarmos sendo enganados em nossa militância diária, em nossas não-militâncias, em nossas existências. O buraco (no caso, o cu, a buceta, a narina, o ouvido, ou qualquer outra porta de entrada - não de um pênis, mas do prazer) é muito mais embaixo e ninguém quer tocar nesses assuntos. Mas é necessário. E urgente.
sábado, 16 de maio de 2015
CHILIQUE DEFINITIVO: leave banha alone (ou: Gordofobia é quase amor?)
Saí hoje do plantão e, como de costume, peguei o celular enquanto esperava o 332. Não gosto de ler no ponto, porque eu sou meio distraído e, se eu perco o ônibus, só depois de meia hora vem outro. Morar longe dá nisso. Então, normalmente é a hora que eu dou uma passada nas produções da madrugada: fotos de festas, amigos bêbados, mensagens que não podem ser codificadas e, às vezes, alguns compartilhamentos bobos, sem nenhuma pretensão. Além disso, feeds de páginas gringas que, dado o fuso horário, estão em pleno funcionamento.
Cinco postagens sobre emagrecimento. Cinco. Da página G (de onde eu não espero nada de edificante, anyway) a um aparelho milagroso que transforma a gordura abdominal em bateria para o celular (enquanto queima a gordura, diz a publicidade), todas as postagens enalteciam o corpo magro. Revi a origem das publicações para saber de onde vinham, e nenhuma página era relacionada a fitness.
Porque i've been there, done that. Quem me acompanha sabe que eu passei dois anos frequentando academia e com alimentação bastante restrita, até que eu alcancei o manequim 38, a camisa P, suava menos e era muito mais passável aos olhos do júri social. Adoraria ter medido a diferença em likes do Tinder, mas eu não dispunha de tal tecnologia na época. Então, eventualmente, poderiam ser postagens relacionadas a fitness, pero no: duas postagens vinham de amigos, três postagens vinham de página.
Há algum tempo atrás - na época da dieta - escrevi um longo texto justificando que eu havia me libertado dos grilhões estéticos e, naquele momento, eu me proclamava apenas um guardião da boa saúde (escrevo isso enquanto revezo entre coxinhas, quibes e bolinhas de queijo): àquele tempo, eu já não era trouxa pra acreditar na imposição do capital para o corpo perfeito, mas eu fazia aquilo pra manter os exames em dia e soar exemplar para qualquer jaleco-branco que viesse me mensurar.
Mas, em primeiro lugar, nunca estamos livres completamente, não é mesmo? Ao menos, não em se tratando do inconsciente. Vejam: eu ia diariamente à academia, era exposto a corpos esbeltos, a corpos grandes, a corpos suplementados e anabolizados. Nunca comprei uma camisa da Nike para correr porque eu acho um disparate gastar três dígitos em algo no que vou SUAR, mas gostava de estar sempre impecável, apresentável, para os colegas da academia que eu sequer trocava mais de três palavras. Torrava cerca de quatrocentos reais ao mês em suplementos. Cheguei a tomar um "anabolizante levinho", tudo muito estudado, tudo muito bem orientado, "só pra dar um gás". Na saúde é que não foi.
Por vários motivos, que vão desde ter morado praticamente ao lado de um dos meus bares preferidos, até uma mudança repentina, drástica e dramática (como tudo na minha vida), eu promovi um apocalipse no meu corpo (acabaram os salgadinhos, mas penso em abrir a despensa e catar um chocolate de lá) e estou hoje quase com o mesmo corpo que estava antes de iniciar a dieta. Em termpos de peso, porque a postura é outra, afinal, a academia realmente promove essa mudança. Mas já passei por isso antes e certamente daqui a pouco minha postura vai estar novamente a mesma. E eu, bem, eu continuo sendo eu.
Mas saindo da órbita do meu umbigo - este prefácio foi apenas para demonstrar que eu passei pelo que estou falando, o fato é que, dentro do discurso do corpo magro, apenas duas vertentes fundamentais são utilizadas para justificar a exclusão das milhões de pessoas (que são maioria) que não ostentam o corpo perfeito: de um lado, a ditadura do corpo; de outro, a saúde.
A ditadura do corpo não pode vencer. É um argumento raso. Presta apenas a atender ao capital: pessoas magras sentem-se à vontade de comprar mais roupas, logo, consomem mais; essa ordem das coisas se dá, claro, por termos adotada uma vestimenta que é ditada pela moda, que desfila corpos anoréxicos em passarelas que permitem o caimento dito perfeito de qualquer tecido. Quando falamos em inclusão, a moda vem e lança uma modelo plus size que, na verdade, só tem mais bunda. Para os homens, ainda que os termos sejam mais flexíveis (vejam a TENDÊNCIA SEXUAL de agora, o Dad Bod - homens com corpo normal, mas que a barriga não estrapola o limite da "barriguinha de cerveja"), o mundo da moda também é dramático: six-packs enfileirados prometendo ao usuário daquela roupa/marca sucesso afetivo, sexual e profissional. Qualquer pessoa que não esteja dentro destes padrões (ou das exceções que o próprio capital enuncia quando seus padrões entram em colapso), é automaticamente jogada para escanteio, ridicularizada, tratada como sub-humana: incapaz de se relacionar, de ascender profissionalmente, e, em casos mais drásticos, de ser limpa. Não foi Nelson Rodrigues quem falou que a gorda tem varizes e sua azedo?
Mas aí vem a tábua de salvação retórica do padrão hegemônico: a saúde. A medicina, por ser tão cara à humanidade, a zeladora da vida, cujos representantes na terra são pessoas sem doutorado a quem chamamos de doutores, vem e sentencia que devemos ser magros. Colesterol, riscos vasculares, complicações ortopédicas, tudo é utilizado para salvar uma vida gorda e, o mais importante: controlar uma vida gorda.
Não é de hoje que a Medicina controla a vida das pessoas. E quando falo em "vida", não estou falando apenas de seu aspecto material, aquela coisa que acaba com a morte; estou falando sim dos comportamentos, pensamentos, posicionamentos. A medicina é, muito antes do conjunto de práticas para a melhoria da saúde humana, um discurso político. Em um tempo em que mulheres não tinham direito a nada além de casar e ser absolutamente submissas ao marido, o comportamento sexual das mesmas era controlado sob o fundamento da histeria. A loucura, do ramo psiquiátrico, pode simplesmente ser uma vontade de a pessoa não se adequar em nenhuma caixinha que empurramos para ela logo ao nascer. Pessoas transexuais são tidas até hoje pela psiquiatria como pessoas que padecem de transtorno identitário. Tratamentos já foram realizados para extinguir a população negra, promovendo uniões interraciais cuja prole seria menos negra que o seu parent negro. E, num processo contínuo de exclusão e marginalização, a Medicina, muito politicamente, vai determinando quem está apto ou não para uma vida plena.
Então, esse pensamento, esse fundamento da saúde não pode existir. O corpo, pra mim, não passa da representação física de algo muito maior (e filosófico): a vida. E dele eu faço o que eu bem entender. Eu tenho certeza (por já ter passado por isso) que ter engordado novamente me gera muito mais aborrecimentos (no sentido de as pessoas me aborrecerem com isso, me questionarem, denotarem uma fraqueza em mim) do que quando assumi publicamente ter tomado certo anabolizante, apenas para acelerar o processo de obtenção do corpo perfeito. E, migos, isso tá ERRADO. A máxima "meu corpo, minhas regras" tem que transcender a genitália e subir pra barriga (mas sem orbitar no umbigo), incendiar a pele e chamuscar até o último fio de cabelo. Eu tenho que poder entrar numa lanchonete e pedir um hamburger às nove da manhã sem olhos macabros sobre os dígitos que aparecem em minha balança - que vestem uma máscara de preocupação, de afeto, de amor.
Porque o que mata não é a gordura. É a caça às bruxas que se promove contra ela (descobri que tinha duas fatias de pizza no microondas. Joguei mostarda e estou comendo enquanto aperto o botão "publicar").
Cinco postagens sobre emagrecimento. Cinco. Da página G (de onde eu não espero nada de edificante, anyway) a um aparelho milagroso que transforma a gordura abdominal em bateria para o celular (enquanto queima a gordura, diz a publicidade), todas as postagens enalteciam o corpo magro. Revi a origem das publicações para saber de onde vinham, e nenhuma página era relacionada a fitness.
Porque i've been there, done that. Quem me acompanha sabe que eu passei dois anos frequentando academia e com alimentação bastante restrita, até que eu alcancei o manequim 38, a camisa P, suava menos e era muito mais passável aos olhos do júri social. Adoraria ter medido a diferença em likes do Tinder, mas eu não dispunha de tal tecnologia na época. Então, eventualmente, poderiam ser postagens relacionadas a fitness, pero no: duas postagens vinham de amigos, três postagens vinham de página.
Há algum tempo atrás - na época da dieta - escrevi um longo texto justificando que eu havia me libertado dos grilhões estéticos e, naquele momento, eu me proclamava apenas um guardião da boa saúde (escrevo isso enquanto revezo entre coxinhas, quibes e bolinhas de queijo): àquele tempo, eu já não era trouxa pra acreditar na imposição do capital para o corpo perfeito, mas eu fazia aquilo pra manter os exames em dia e soar exemplar para qualquer jaleco-branco que viesse me mensurar.
Mas, em primeiro lugar, nunca estamos livres completamente, não é mesmo? Ao menos, não em se tratando do inconsciente. Vejam: eu ia diariamente à academia, era exposto a corpos esbeltos, a corpos grandes, a corpos suplementados e anabolizados. Nunca comprei uma camisa da Nike para correr porque eu acho um disparate gastar três dígitos em algo no que vou SUAR, mas gostava de estar sempre impecável, apresentável, para os colegas da academia que eu sequer trocava mais de três palavras. Torrava cerca de quatrocentos reais ao mês em suplementos. Cheguei a tomar um "anabolizante levinho", tudo muito estudado, tudo muito bem orientado, "só pra dar um gás". Na saúde é que não foi.
Por vários motivos, que vão desde ter morado praticamente ao lado de um dos meus bares preferidos, até uma mudança repentina, drástica e dramática (como tudo na minha vida), eu promovi um apocalipse no meu corpo (acabaram os salgadinhos, mas penso em abrir a despensa e catar um chocolate de lá) e estou hoje quase com o mesmo corpo que estava antes de iniciar a dieta. Em termpos de peso, porque a postura é outra, afinal, a academia realmente promove essa mudança. Mas já passei por isso antes e certamente daqui a pouco minha postura vai estar novamente a mesma. E eu, bem, eu continuo sendo eu.
Mas saindo da órbita do meu umbigo - este prefácio foi apenas para demonstrar que eu passei pelo que estou falando, o fato é que, dentro do discurso do corpo magro, apenas duas vertentes fundamentais são utilizadas para justificar a exclusão das milhões de pessoas (que são maioria) que não ostentam o corpo perfeito: de um lado, a ditadura do corpo; de outro, a saúde.
A ditadura do corpo não pode vencer. É um argumento raso. Presta apenas a atender ao capital: pessoas magras sentem-se à vontade de comprar mais roupas, logo, consomem mais; essa ordem das coisas se dá, claro, por termos adotada uma vestimenta que é ditada pela moda, que desfila corpos anoréxicos em passarelas que permitem o caimento dito perfeito de qualquer tecido. Quando falamos em inclusão, a moda vem e lança uma modelo plus size que, na verdade, só tem mais bunda. Para os homens, ainda que os termos sejam mais flexíveis (vejam a TENDÊNCIA SEXUAL de agora, o Dad Bod - homens com corpo normal, mas que a barriga não estrapola o limite da "barriguinha de cerveja"), o mundo da moda também é dramático: six-packs enfileirados prometendo ao usuário daquela roupa/marca sucesso afetivo, sexual e profissional. Qualquer pessoa que não esteja dentro destes padrões (ou das exceções que o próprio capital enuncia quando seus padrões entram em colapso), é automaticamente jogada para escanteio, ridicularizada, tratada como sub-humana: incapaz de se relacionar, de ascender profissionalmente, e, em casos mais drásticos, de ser limpa. Não foi Nelson Rodrigues quem falou que a gorda tem varizes e sua azedo?
Mas aí vem a tábua de salvação retórica do padrão hegemônico: a saúde. A medicina, por ser tão cara à humanidade, a zeladora da vida, cujos representantes na terra são pessoas sem doutorado a quem chamamos de doutores, vem e sentencia que devemos ser magros. Colesterol, riscos vasculares, complicações ortopédicas, tudo é utilizado para salvar uma vida gorda e, o mais importante: controlar uma vida gorda.
Não é de hoje que a Medicina controla a vida das pessoas. E quando falo em "vida", não estou falando apenas de seu aspecto material, aquela coisa que acaba com a morte; estou falando sim dos comportamentos, pensamentos, posicionamentos. A medicina é, muito antes do conjunto de práticas para a melhoria da saúde humana, um discurso político. Em um tempo em que mulheres não tinham direito a nada além de casar e ser absolutamente submissas ao marido, o comportamento sexual das mesmas era controlado sob o fundamento da histeria. A loucura, do ramo psiquiátrico, pode simplesmente ser uma vontade de a pessoa não se adequar em nenhuma caixinha que empurramos para ela logo ao nascer. Pessoas transexuais são tidas até hoje pela psiquiatria como pessoas que padecem de transtorno identitário. Tratamentos já foram realizados para extinguir a população negra, promovendo uniões interraciais cuja prole seria menos negra que o seu parent negro. E, num processo contínuo de exclusão e marginalização, a Medicina, muito politicamente, vai determinando quem está apto ou não para uma vida plena.
Então, esse pensamento, esse fundamento da saúde não pode existir. O corpo, pra mim, não passa da representação física de algo muito maior (e filosófico): a vida. E dele eu faço o que eu bem entender. Eu tenho certeza (por já ter passado por isso) que ter engordado novamente me gera muito mais aborrecimentos (no sentido de as pessoas me aborrecerem com isso, me questionarem, denotarem uma fraqueza em mim) do que quando assumi publicamente ter tomado certo anabolizante, apenas para acelerar o processo de obtenção do corpo perfeito. E, migos, isso tá ERRADO. A máxima "meu corpo, minhas regras" tem que transcender a genitália e subir pra barriga (mas sem orbitar no umbigo), incendiar a pele e chamuscar até o último fio de cabelo. Eu tenho que poder entrar numa lanchonete e pedir um hamburger às nove da manhã sem olhos macabros sobre os dígitos que aparecem em minha balança - que vestem uma máscara de preocupação, de afeto, de amor.
Porque o que mata não é a gordura. É a caça às bruxas que se promove contra ela (descobri que tinha duas fatias de pizza no microondas. Joguei mostarda e estou comendo enquanto aperto o botão "publicar").
domingo, 8 de fevereiro de 2015
quem espera, de tudo cansa.
a procrastinação diária de quem empurra o mundo com a barriga cada vez maior
apenas para tê-la ao redor do próprio umbigo
numa órbita desesperada de quem confia no espaço sideral.
siderado, sigo então.
com todos estes anéis satélites que guiam o GPS do meu sapato batido,
e que assassinam um pouco a aura.
mais lenço no cabelo
mais música no ouvido
mais volumes insuportáveis.
por favor.
a procrastinação diária de quem empurra o mundo com a barriga cada vez maior
apenas para tê-la ao redor do próprio umbigo
numa órbita desesperada de quem confia no espaço sideral.
siderado, sigo então.
com todos estes anéis satélites que guiam o GPS do meu sapato batido,
e que assassinam um pouco a aura.
mais lenço no cabelo
mais música no ouvido
mais volumes insuportáveis.
por favor.
quinta-feira, 29 de janeiro de 2015
O zerozero debuta com seu vestido manchado de graxa e com a xota enxarcada deste ego-xote do alto, autoproclamado selfie stick. Que tempos estranhos estes em que a pessoa se distancia de si para proclamar na grande rede sua persona.
O zerozero labuta a la puta mas o dinheiro tá mais curto que a saia-tá-pedindo que é da coleção passada mas tá sempre na moda na latrina dos justiceiros sempre de plantão.
O zerozero labuta a la puta mas o dinheiro tá mais curto que a saia-tá-pedindo que é da coleção passada mas tá sempre na moda na latrina dos justiceiros sempre de plantão.
domingo, 2 de novembro de 2014
Lúcia Café: Da prostituta viciada em café e quiche de ricota com orégano.
Após deitar-me com três de mim, pelo preço vil de uma cantada barata e ilógicos fluidos sobre meu corpo, pego esta xícara vermelha de liquido preto e quente que, em franca substituição ao corpo preto de líquido branco, parece enfim aquecer os grandes lábios - vermelhos, mais ainda pelo batom da vez - que ostento em minha face. Eventualmente, tremo. Talvez seja o pó deste café, tão pouco moído que a droga em si se torna tão eficaz. Mas talvez seja a fraqueza das pernas que ficaram por tanto abertas. Visitas ao colo de meu útero, enquanto eu cavalgava em um colo sem nome, sem telefone, sem cartão de visitas, sem sabor, meu labor. Labor sem sabor que garante uma bolsa Prada falsificada, que garante um curso de inglês, cheap, numa ONG qualquer (pois busco a ascensão), que me garante o maquilagem vagabunda com a qual estouro minha pele.
Ou o que estoura minha pele não seja necessariamente a maquilagem, ou o pó, sempre compacto em tempos de minguadas carteiras, ou ainda compacto em tempos de "é bom ter alguma noção da realidade". Talvez seja aquele velho amor do filme de ontem, aquele clima tão estranho, embalado por aquela trilha sonora que provavelmente tocaria em meu prostíbulo - meu lar. A cada dentada em meu integral quiche de ricota com orégano, duas gargalhadas chorosas pela protagonista (não lembro o nome da atriz, quiçá sei) que sempre termina com o seu anti-príncipe encantado: um homem robusto, machista ao extremo, com piadas sarcásticas e um volume considerável em suas calças caras. Mas o bolo alimentar de minha saliva, massa, ricota e orégano, sem um café para ajudar a deglutir, parece ficar preso em minha garganta. O que tenho além de vários homens robustos, machistas ao extremo, com volumes sarcásticos e piadas consideráveis em seus velhos jeans rasgados?
Não sei se, por prudência ou desespero, saio da sala de cinema com minha microssaia de napa, uma bolsinha baguete antepenúltima moda, scarpin de oncinha com o salto um tanto gasto (mais gasto que eu, talvez), uma camisetinha livre, leve e solta, jogando o ar pesado de minha maquiagem puta-gótica para todos os lados, procurando, quem sabe, um grande amor, quem sabe, um cliente fixo, quem sabe, uma aventurinha. Chego a rogar, diante do espelho, pela graça da cruz de cristo em detrimento da desgraça da cruz de sífilis. Sou limpa, amém, mas a cada visita íntima, a cada acompanhamento bem-de-perto-tão-perto-que-é-dentro, penso quão mais limpo seria o véu da grinalda que, muito antagonicamente, eu ostentaria em uma igreja na qual eu pudesse pisar sem ser apedrejada. Na lanchonete no cinema, peço por um pacote de pipoca e uma xícara de café - tudo o que minhas economias podem pagar neste fim de mês. Tiro, com a ponta de meus dois dedos, mostrando o esmalte vermelho - vermelho-puta, porque trabalhamos com o exagero - o chiclé que eu estava mascando há dois dias. Derramo uma dose generosa de sal sobre a pipoca e outra nem tão generosa de açúcar no meu café. Derramo uma gota de lágrima e enxugo, não menos desesperadamente, o suor de minha testa que comprometeria o blush, o falso glamour, a esperança por boas notícias e a clientela da noite.
Acima do misto do cheiro do café, da manteiga, de meu desodorante quase vencido e de minha alma quase vendida, um amadeirado perfume toma conta da lanchonete, que pareceu perder todas aquelas cores berrantes diante do verde dos olhos do doutor que, em seu mocassim engraxado com dignidade (provavelmente de outros), pede, com voz grossa, um capuccino e uma água com gás (conta total: o dobro da minha, paga com uma nota de cinquenta, que voou displicentemente pelo balcão amarelo). Um frio e distante (mas, ainda assim, com um toque de menino que quer abocanhar algum doce) "Olá, boa noite" ecoou por todo aquele espaço geográfico e pelo espaço sideral que preenche minha cabeça oca. Já pensava eu em escrever o número de meu celular sem créditos em um guardanapo colorido qualquer, com meu batom, ou em indicar em quais orelhões daquelas redondezas eu apus o meu número. "Lúcia Café, negra, quente e pronta pra ser servida em sua xícara do amor". Do rápido diálogo dos meus olhos negros e sujos com aqueles cândidos e límpidos olhos verdes, formou-se um épico que poderia ser chamado pelos poetas de esmeralda empoeirada. Não teria eu forças para esticar minha microssaia para limpar a pedra preciosa; tampouco ele se incomodaria em sujar seu paletó - salvo se o jogasse no chão quando, por um trocado qualquer, me contratasse por aquela noite que sequer havia começado (para mim).
- A senhora (ou senhorita? ou vagabunda?) possui um jeito bastante peculiar de se vestir, ainda mais para um ambiente como este.
Logo pensei: "veado". Logo pensei: "padre trabalhando em minha conversão". Logo pensei: "não seria nada mau alguém para cuidar desta cabeleira". Logo pensei: "a conversão não seria nada mal, afinal a busco". Logo, não pensei em nada e apenas respondi:
- É o calor, não é mesmo?
- Sim, está bastante quente por aqui.
- O quão quente está? (com um olhar sacana, profano, convidativo e necessitado de dinheiro para outro café)
- Quente o suficiente para tirar este paletó e te pagar outro café.
- Aceito o café, mas não pense o senhor que ficará nisto.
- Ora, mas que ousadia, gosto de jovens assim, tão diretas.
- Não sou jovem, mas sou ousada.
- Beba seu café.
- Sou mais cara que um café.
- Creio nisto.
- Sei falar inglês e tenho roupas mais comportadas.
- Poderia ter usado uma roupa mais comportada hoje, não?
- Mas aí não estaria conversando com o senhor.
- Não me chame de senhor, trate-me como você.
- Te tratar como a mim? Não tenho dinheiro para tanto (embora "você" seja bem atraente). E também não trabalho com trocas de favores.
- Como trabalhar com troca de favores? Como trabalhar?
- Danço no escuro.
- Você está no escuro agora?
- Não, aqui está claro.
- Sim, bem claro.
- Bem claro que o senhor, ou você, enfim, esteja brincando com a minha cara e tenho que ir trabalhar.
- Como trabalhar?
- Danço no escuro.
- Mas aqui está claro... e claro que quero te conhecer. Diga, qual seu preço?
- Depende do serviço.
- Algo com a boca.
- Barato. Cobro pelo tamanho.
- Mas aí ficaria caro.
- Caro? É tanto assim?
- Sim, quero de sua boca as palavras de uma conversa grande o suficiente para te fazer...
- Fazer? Gozar?
- Talvez.
- Não gozaria com palavras.
- Mas gozaria de alguma felicidade.
- Não há felicidade na degradação.
- E qual o seu preço?
- Calcule o valor da reconstrução de minha personalidade. Subtraia algo do ambiente de vergonha no qual me insiro e multiplique pela glória da saída do submundo. Some o desgosto da exploração física. Tire o quociente e os dividendos de meus olhos que lacrimejam. Faça a raiz quadrada da igreja que eu não posso entrar, da sociedade que me marginaliza, do governo que não me dá assistência e dos pais que não me aceitam. Jogue o resultado nesta xícara e beba de uma vez só, deliciando-se com o sabor amargo de ser Lúcia Café.
Quem deve te pagar algo aqui sou eu.
E simplesmente saí. Deixei, pela primeira vez, o café quente pela metade e fui atrás de algum lugar em que meu celular finalmente tivesse sinal. Três mensagens da cafetina dizendo que existem clientes me esperando e não deveria ter saído por tanto tempo. Coitadinha, vagabunda, desavergonhada: lá vou eu, com meu corpo, comprar mais um quilo de pó. De café.
Ou o que estoura minha pele não seja necessariamente a maquilagem, ou o pó, sempre compacto em tempos de minguadas carteiras, ou ainda compacto em tempos de "é bom ter alguma noção da realidade". Talvez seja aquele velho amor do filme de ontem, aquele clima tão estranho, embalado por aquela trilha sonora que provavelmente tocaria em meu prostíbulo - meu lar. A cada dentada em meu integral quiche de ricota com orégano, duas gargalhadas chorosas pela protagonista (não lembro o nome da atriz, quiçá sei) que sempre termina com o seu anti-príncipe encantado: um homem robusto, machista ao extremo, com piadas sarcásticas e um volume considerável em suas calças caras. Mas o bolo alimentar de minha saliva, massa, ricota e orégano, sem um café para ajudar a deglutir, parece ficar preso em minha garganta. O que tenho além de vários homens robustos, machistas ao extremo, com volumes sarcásticos e piadas consideráveis em seus velhos jeans rasgados?
Não sei se, por prudência ou desespero, saio da sala de cinema com minha microssaia de napa, uma bolsinha baguete antepenúltima moda, scarpin de oncinha com o salto um tanto gasto (mais gasto que eu, talvez), uma camisetinha livre, leve e solta, jogando o ar pesado de minha maquiagem puta-gótica para todos os lados, procurando, quem sabe, um grande amor, quem sabe, um cliente fixo, quem sabe, uma aventurinha. Chego a rogar, diante do espelho, pela graça da cruz de cristo em detrimento da desgraça da cruz de sífilis. Sou limpa, amém, mas a cada visita íntima, a cada acompanhamento bem-de-perto-tão-perto-que-é-dentro, penso quão mais limpo seria o véu da grinalda que, muito antagonicamente, eu ostentaria em uma igreja na qual eu pudesse pisar sem ser apedrejada. Na lanchonete no cinema, peço por um pacote de pipoca e uma xícara de café - tudo o que minhas economias podem pagar neste fim de mês. Tiro, com a ponta de meus dois dedos, mostrando o esmalte vermelho - vermelho-puta, porque trabalhamos com o exagero - o chiclé que eu estava mascando há dois dias. Derramo uma dose generosa de sal sobre a pipoca e outra nem tão generosa de açúcar no meu café. Derramo uma gota de lágrima e enxugo, não menos desesperadamente, o suor de minha testa que comprometeria o blush, o falso glamour, a esperança por boas notícias e a clientela da noite.
Acima do misto do cheiro do café, da manteiga, de meu desodorante quase vencido e de minha alma quase vendida, um amadeirado perfume toma conta da lanchonete, que pareceu perder todas aquelas cores berrantes diante do verde dos olhos do doutor que, em seu mocassim engraxado com dignidade (provavelmente de outros), pede, com voz grossa, um capuccino e uma água com gás (conta total: o dobro da minha, paga com uma nota de cinquenta, que voou displicentemente pelo balcão amarelo). Um frio e distante (mas, ainda assim, com um toque de menino que quer abocanhar algum doce) "Olá, boa noite" ecoou por todo aquele espaço geográfico e pelo espaço sideral que preenche minha cabeça oca. Já pensava eu em escrever o número de meu celular sem créditos em um guardanapo colorido qualquer, com meu batom, ou em indicar em quais orelhões daquelas redondezas eu apus o meu número. "Lúcia Café, negra, quente e pronta pra ser servida em sua xícara do amor". Do rápido diálogo dos meus olhos negros e sujos com aqueles cândidos e límpidos olhos verdes, formou-se um épico que poderia ser chamado pelos poetas de esmeralda empoeirada. Não teria eu forças para esticar minha microssaia para limpar a pedra preciosa; tampouco ele se incomodaria em sujar seu paletó - salvo se o jogasse no chão quando, por um trocado qualquer, me contratasse por aquela noite que sequer havia começado (para mim).
- A senhora (ou senhorita? ou vagabunda?) possui um jeito bastante peculiar de se vestir, ainda mais para um ambiente como este.
Logo pensei: "veado". Logo pensei: "padre trabalhando em minha conversão". Logo pensei: "não seria nada mau alguém para cuidar desta cabeleira". Logo pensei: "a conversão não seria nada mal, afinal a busco". Logo, não pensei em nada e apenas respondi:
- É o calor, não é mesmo?
- Sim, está bastante quente por aqui.
- O quão quente está? (com um olhar sacana, profano, convidativo e necessitado de dinheiro para outro café)
- Quente o suficiente para tirar este paletó e te pagar outro café.
- Aceito o café, mas não pense o senhor que ficará nisto.
- Ora, mas que ousadia, gosto de jovens assim, tão diretas.
- Não sou jovem, mas sou ousada.
- Beba seu café.
- Sou mais cara que um café.
- Creio nisto.
- Sei falar inglês e tenho roupas mais comportadas.
- Poderia ter usado uma roupa mais comportada hoje, não?
- Mas aí não estaria conversando com o senhor.
- Não me chame de senhor, trate-me como você.
- Te tratar como a mim? Não tenho dinheiro para tanto (embora "você" seja bem atraente). E também não trabalho com trocas de favores.
- Como trabalhar com troca de favores? Como trabalhar?
- Danço no escuro.
- Você está no escuro agora?
- Não, aqui está claro.
- Sim, bem claro.
- Bem claro que o senhor, ou você, enfim, esteja brincando com a minha cara e tenho que ir trabalhar.
- Como trabalhar?
- Danço no escuro.
- Mas aqui está claro... e claro que quero te conhecer. Diga, qual seu preço?
- Depende do serviço.
- Algo com a boca.
- Barato. Cobro pelo tamanho.
- Mas aí ficaria caro.
- Caro? É tanto assim?
- Sim, quero de sua boca as palavras de uma conversa grande o suficiente para te fazer...
- Fazer? Gozar?
- Talvez.
- Não gozaria com palavras.
- Mas gozaria de alguma felicidade.
- Não há felicidade na degradação.
- E qual o seu preço?
- Calcule o valor da reconstrução de minha personalidade. Subtraia algo do ambiente de vergonha no qual me insiro e multiplique pela glória da saída do submundo. Some o desgosto da exploração física. Tire o quociente e os dividendos de meus olhos que lacrimejam. Faça a raiz quadrada da igreja que eu não posso entrar, da sociedade que me marginaliza, do governo que não me dá assistência e dos pais que não me aceitam. Jogue o resultado nesta xícara e beba de uma vez só, deliciando-se com o sabor amargo de ser Lúcia Café.
Quem deve te pagar algo aqui sou eu.
E simplesmente saí. Deixei, pela primeira vez, o café quente pela metade e fui atrás de algum lugar em que meu celular finalmente tivesse sinal. Três mensagens da cafetina dizendo que existem clientes me esperando e não deveria ter saído por tanto tempo. Coitadinha, vagabunda, desavergonhada: lá vou eu, com meu corpo, comprar mais um quilo de pó. De café.
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