quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Marinismo, agenda gay e eco-b(a)itolagem.

Marina Silva, candidata à Presidência da República após o trágico acidente envolvendo Eduardo Campos, é evangélica. Todo mundo sabe disso. E todo mundo sabe que não é correto julgar uma pessoa com a história política da Marina apenas pela sua religiosidade.

O problema, na verdade, nem é esse.

Ultimamente, acompanhando fóruns no Facebook de militância LGBT, tenho visto que muitas pessoas passaram a fazer campanha em favor da Marina, porque ela, vejam bem, passou a defender o direito ao casamento entre pessoas do mesmo sexo, assim como a criminalização da homofobia - mesmo que um dia tenha se declarado contrária a estas pautas.

Abaixo a imagem da equipe que assessora a Marina nas redes sociais, e aqui, um link sobre a mudança de pensamento (que, diga-se, é válida, é humana, e que pode ocorrer a todo momento):


Minha primeira implicância: a passagem "O Supremo Tribunal Federal já deu a essa união o estatuto de casamento civil. A questão legal sobre o tema está, portanto, resolvida no Brasil.". Não, quem deu o caráter de casamento civil foi o Conselho Nacional de Justiça, com base na Resolução n. 175, de 14 de maio de 2013, aprovada durante a sua 169ª Sessão Plenária. Isso, inspirado pela histórica decisão do STF sobre a União Homoafetiva, ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132. Ambas, tanto a Resolução, assim como a decisão do STF, possuem efeito vinculante, muito bonito, todo mundo é obrigado.

Até que alguém mude de ideia.

Não existe qualquer segurança jurídica no que acima foi resolvido: o STF pode, a qualquer momento, rever a sua posição, e o CNJ, se quiser, revoga a Resolução. Logo, não há uma "questão legal resolvida no Brasil". E, aos que defendem a pauta do casamento homoafetivo, igualitário, ou qualquer outro nome que lhes seja mais adequado/bonitinho, há ainda uma luta a ser empreendida em prol de um diploma legal que confira ao tema uma segurança jurídica maior, que não esteja passível de mudanças de acordo com a composição do STF e CNJ, e nem dependente do humor dos ministros que compõem os mesmos.

Esse foi o primeiro ponto.

O segundo é uma crítica pessoal em relação ao que Marina está defendendo. De um lado, o casamento igualitário (nome oficial empreendido pela campanha capitaneada pelo Jean Willys) não necessariamente contempla todas as pessoas contidas no universo LGBT[insira-aqui-todas-as-outras-letras-possíveis]. Isso porque, parte da teoria por trás das guei simplesmente não quer o casamento, por entendê-lo como um instituto de natureza eminentemente heteronormativa e que, por isso, deveria ser rechaçado por uma comunidade que surge justamente como uma contracultura. Ora, se eu surjo enquanto movimento contestando determinado ethos , me soa razoável que eu conteste todo o ethos, e não tente assimilar apenas o que eu julgo interessante, ainda mais quando este interessante é puramente heterossexista e transfere para o Estado o controle dos corpos. Se eu contesto a heternormatividade, não posso querer viver a magia do casamento - a cerimônia -, até porque isso vai me fazer lidar com os pesares do mesmo - a burocracia, a imposição da monogamia, a imposição de tipos X de composição familiar (e me desculpem os constitucionalistas, mas é muito bonito falar em ~rol exemplificativo~ do art. 226, mas o conceito de família ainda está muito contaminado por determinados padrões, tanto que as famílias hoje aceitas pelo direito brasileiro são todas oriundas de algum "defeito" da família matrimonial: a monoparental é a cristalização de uma situação de fato em que um dos pais falta; a união estável é a cristalização de uma família que não deseja o casamento).

De outro lado, há a questão, não menos polêmica, da criminalização da homofobia. Me soa um pouco óbvio que todo crime deve ser punido - respeitando-se, claro, toda a dogmática criminal, os direitos fundamentais, etc., etc. Porém, no Brasil, há uma clara política de "sedução" do Direito Penal. Tudo aqui vira lei criminal. Muito, talvez, pela inspiração pedagógica da norma criminal: se existe um fato típico, não vou nele incorrer, pois posso sofrer as consequências da lei. Só que muito pouco se investe no caráter punitivo - e, além, ressocializador - da mesma norma. O sistema prisional brasileiro é a epítome da falência e, como se já não bastassem presídios cheios, sem infraestrutura e a assombração do lema "bandido bom é bandido morto" e que, por isso, se torna até interessante jogar os "bandidos" em algum lugar fétido, porque ao menos assim ele não está na sociedade cometendo crimes, há ainda uma evidente questão racial nas persecuções criminais. Quem é preso no Brasil é preto e pobre.  Segundo Timothy Ireland, representante da área educacional da Unesco no Brasil, dados do Ministério da Saúde indicam no perfil da maioria dos presos no Brasil, são de jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa escolaridade, são 73,83% do total da população carcerária. Mais da metade 66%, não chegaram a concluir o ensino fundamental (fonte da violação de direito autoral). Há, portanto, que se ter cuidado ao falar da criação de mais uma lei penal. Acho que deve existir um engajamento sim em relação ao combate à homofobia (e eu seria um completo idiota em negar isso, afinal, posso tomar uma lâmpada na cara a qualquer momento, em especial agora que estou malhando mais as pernas para poder usar leggings neste verão), mas a criminalização em si tem que ser debatida em todos os seus aspectos, e não apenas jogada como moeda de troca de votos - vai existir um programa pedagógico aliado? Será investido em capacitação policial e em aparelhamento estatal, aos moldes da Maria da Penha? Teremos medidas socioeducativas adequadas?

Um último ponto, que dá menos dor de cabeça como o anterior é: Marina possui um histórico, muito bom, no Meio Ambiente que, aliás, é um direito humano e que merece a máxima atenção do Estado. Porém, estamos falando de UM direito humano, dentro de tantos outros. E, se for para sermos bem materialistas, é UM ministério dentro de tantos outros que merecem atenção. As considerações finais da Marina me deixaram um pouco preocupado com um eventual governo dela: ela foi enfática quando afirmou que defende saúde-educação-segurança pública (e não falar do óbvio seria um crime) e infraestrutura para atender as necessidades estratégicas (...) para que a nossa produção agrícola não tenha o prejuízo que tem. E aí ela emenda com a Justiça Social. Argumentativamente falando, o que ela deu mais atenção à questão agrícola e concluiu com o tema da justiça social. Ou seja: choveu no molhado e reafirmou o que sempre defendeu: colocou a questão ambiental, em sentido lato, no centro de tudo. E, reafirmo, por mais importante que isto seja, não há como, num país do tamamho do nosso, ser este o epicentro de um programa eleitoral. E devo lembrar que Marina está assessorada: o discurso final dela não surgiu do nada. É, definitivamente, o seu programa - que, aos meus olhos, é bitolado.

O que eu defendo é: temos o mês de setembro inteiro para lermos sobre nossos candidatos e formar uma mentalidade coesa para o mesmo, para que nosso voto seja inteiramente consciente. Se você é eleitor da Marina, o seja conscientemente, e não porque ela prometeu um ou dois direitos para a comunidade LGBT. Como disse em outro texto meu, um país não é feito apenas pela agenda LGBT. Devemos, sim, ser contemplados, e há uma militância muito grande em prol disto. Mas, se dita agenda não é a única que deve compor um programa de governo, ela não pode ser a única razão para concedermos um voto a um candidato. Existem inúmeras questões que o Brasil precisa trabalhar e é nosso dever, enquanto portadores de um título de eleitor (e nem estou falando em "cidadania"), estudar e conhecer sobre tudo para que possamos, ao menos, nos lembrar em quem votamos nas últimas eleições, caso indagados em 2018.

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