quinta-feira, 21 de março de 2013

Encontro.


- Olá! O que faz por aqui?
- Eu saí com o intuito de obter uma nova identidade. Uma segunda via. Uma segunda vida. Ou uma sobrevida, quem sabe. Talvez uma vida a mais naquele jogo chamado vida. Pedi para todos os meus amigos. Já era tarde. Ninguém podia me ajudar.
- Poderia ter me pedido.
- Você não é meu amigo.
- Por que não? Não estou aqui falando com você?
- É apenas um devaneio. Eu deveria esta dormindo. Ou fumando um cigarro. Ou bebendo mais um café. Ou tomando uma xícara de chá gelado. Ou correndo. Ou disfarçando as olheiras. Mas estou aqui, de pé. E não, você não é meu amigo.
- Repito a pergunta. Por que não?
- Porque não sou amigo do espelho.
- Eu reflito você?
- Não. Você apenas me aflige.
- Por quê?
- Porque pela primeira vez vejo um reflexo feio. E não acho isso bonito.
- Por que feio?
- Porque olho no espelho e me vejo gordo, cansado, com olheiras, abatido. E ainda assim, eu não consigo parar de olhar pra mim.
- Você olha pra si mesmo ou para o seu ego.
- E você é exatamente as duas coisas. Sempre foi. Sempre será.
- Foi o que eu prometi.
- Não. Foi o que eu prometi diante do espelho.
- Portanto, sou você.
- Nunca disse o contrário. Talvez tenhamos mudado de papel.
- Não há papéis.
- Sim, há. Eu que nunca os peguei em minhas mãos. Minto. Peguei. Apenas uma vez.
- Por que apenas uma vez?
- Uma coincidência. Eu deveria ter seguido o plano original, mas, de qualquer forma, tudo mudou.
- Tudo, menos o seu reflexo.
- Não, ele também certamente mudou.
- O que você vê?
- Algum triunfo pessoal. Algumas inimizades. Alguns quilos a mais. Em processo de perda.
- Um processo que nunca se perde.
- A sentença jamais foi proferida.
- O processo ficou suspenso.
- Sim, está arquivado. Mas não em definitivo. Ninguém nunca incinerou os autos.
- E você fica aflito com isso.
- Sim. Odeio as reticências. Sou adepto à escola do ponto final.
- Mas você, enquanto um jovem estúpido, é incapaz disto.
- Talvez. Nem tão jovem. Bastante estúpido. Eu diria que um garoto mau.
- Mas você é inteligente.
- Mas não deixo de ser mau.
- Eu não acho.
- Eu não acho nada. Apenas o que o espelho me diz.
- Então, se o espelho é o seu reflexo e eu reflito você...
- Não. Você apenas aflige.
- Estou aflito.
- Estou contrito.
- O que é melhor? Seu reflexo ou uma foto 3x4?
- Tanto faz. A foto vai ficar presa numa identidade que você reflete.
- Mas eu não reflito. Eu aflijo.
- Eu contrito.
- Nós, atrito.
- Nós, desisto.


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