domingo, 10 de março de 2013

Vergonha.


Tomo um banho, mas não lavo o rosto. Não por falta de higiene, pois daqui a meia hora tomarei outro (tenho obrigações capitais a cumprir). Mas para desafiar o espelho. Mostrar para ele que não: não existe perfeição, por mais que eu chore, esperneie, grite, corra. Por mais que eu morra. Então, me revelo com remela, marcas do travesseiro em todo o rosto, suor em demasia e olhos cansados. Muito cansados. Até o brinco está torto, de tanto cansaço. O cabelo, bagunçado, uma parte molhada e outra seca. Mas não vou pentear. E nem deixá-lo uniformemente seco. E nem dar forma. Quase chego a agradecer o escárnio que é a minha barriga. O estômago tão cheio de insatisfações que meu metabolismo não deu conta e veja onde fui parar. Pelos inflamados tomam a minha perna e não há milagre dermatológico que dê jeito nisso. Bem-feito para o espelho. Eu não tenho nada com isso. É ele que exige. Eu já lavei as minhas mãos há muito tempo.

As mãos, mas não o rosto. Ele continua em carne viva, de tanta vergonha. Me sinto febril, mas sei que é apenas o fato de não ter comido nada ainda hoje, somado à água quente que escorreu preguiçosa do chuveiro. Fechei um pouco o registro para economizar água, força motora do mundo. Fechei um pouco os olhos para economizar a minha vergonha. Depois de ter fechado tanto os olhos para a metamorfose na qual me tornei. Sou Gregor Samsa em 40m² e em uma cidade maravilhosa. Não. Não sou o tordo. Quem brinca de salvação é o espelho em chamas.

Eu apenas sou isso que ele reflete.

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